Este texto foi escrito não utilizando a impessoalidade para que os sentimentos não fossem descaracterizados.
Enquanto cidadãos muitas vezes nos vemos à mercê de políticas públicas que não atendem nossas reais necessidades, e diante das complexidades e emaranhados do serviço público podemos sentir de forma muito avassaladora como somos impotentes diante desse sistema. Quando um governo tem líderes eleitos pelo povo, o povo compartilha a responsabilidade pelo que há de bom e de ruim na sociedade, entendendo dessa forma, nos tornamos também coadjutores dessa história e não apenas vítimas. É revoltante quando vemos a distância social e econômica que envolve as pessoas, e muitas vezes nós mesmos, é um vale que separa ricos e pobres, que separa os que vestem dos que não vestem, os que moram dos que não moram, os que comem dos que não comem, os que tem lazer dos que não tem, os que sonham dos que não sonham mais, os que são felizes dos que nem sabem o que é ser feliz pelo menos uma vez na vida. Talvez o filme “à procura da felicidade” com o autor Will Smith, inspirado em fatos reais, demonstre um pouco da loucura que um ser humano enfrenta para continuar vivendo diante de tantas iniqüidades sociais. É imperativo que desenvolvamos uma consciência crítica que nos fará entendermos a própria realidade, de nos percebermos como parte dessa realidade, mas com a capacidade de intervir, de mudar, de criar e recriar, de construir e reconstruir, de inovar e de mudar quantas vezes se faça necessário. Não estamos neste mundo apenas para assistir a tudo o que acontece, temos o dever de agir e não apenas de receber a ação. Compreendendo que podemos estar no papel de vítimas e/ou coadjutores, e abrindo mão da forma de agir globalmente, pois é impossível mudarmos o mundo sozinhos, podemos nos voltar para dentro de nós mesmos e da realidade vivenciada pelo eu e pelos que nos rodeiam. Agindo dessa forma começamos a pensar “o que é preciso ser feito, e o que eu posso fazer?”. A partir desse momento farei um relato sucinto do que eu posso fazer para mudar, nem que seja um pouco, o mundo das pessoas, já que não posso mudar o mundo. Há oito meses comecei a fazer um trabalho social com jovens carentes, de dez a dezoito anos, na região do Taquari, em Palmas – TO. O primeiro contato que tive com esses jovens foi através de vizinhos e algumas pessoas que eu já conhecia. Antes de iniciar o trabalho entrei em contato com cada família para conhecer de perto a realidade em que vivem e para pedir a autorização dos pais e também expor o trabalho pretendido. Todos eles vivem em moradias precárias, algumas tem somente alguns cômodos construídos, e nenhuma delas tem acabamento. Há poucos móveis e objetos. Todos tem estrutura familiar com algum problema, alguns foram abandonados pelas mães, outros os pais estão tão distantes como se nem existissem. Em muitas conversas que tive com esses jovens descobri muitas outras coisas, eles não tem uma alimentação adequada, os pais às vezes escondem o alimento dentro da própria casa para que eles não comam tudo, pois há pouco alimento. Eles não recebiam nenhuma educação religiosa, e não relatavam ter esperança de melhorar sua situação, não tinham nenhuma perspectiva de futuro. A maioria deles não praticava nenhuma atividade física ou de lazer, não tinham incentivo algum para dar atenção à educação secular, e nunca participaram de uma ação comunitária. O mais triste foi ver o comportamento agressivo tanto verbal, como físico e também a falta de auto-estima em pessoas tão jovens, com uma vida toda pela frente. Confesso que senti muitas dificuldades quando iniciamos esse trabalho, pois agora minha família também está envolvida. Não sabíamos direito como realizar esse trabalho, então selecionamos quatro eixos:
- Espiritual;
- Físico;
- Educacional, pessoal e profissional;
- Comunitário e social.
Para darmos início a este desafio começamos por cuidar da espiritualidade de cada um deles, “pois é mais fácil tirar as pessoas da miséria do que a miséria de dentro das pessoas”. Eles precisavam saber que eram importantes para alguém, que tinham pessoas que se importavam com eles e tinham o desejo de ajudá-los. Através de doações de amigos conseguimos roupas e calçados para esses jovens, e há sete meses eles freqüentam uma igreja. Todos os domingos passamos na casa de cada um deles, e quando ainda estão dormindo, nós os esperamos. A freqüência à igreja é uma forma importante de socialização, de fazer novos amigos e também de encontrar forças para vencerem suas dificuldades. Durante quatro dias na semana, por uma hora, eles participam de aulas que ensinam valores e princípios. Aprendem sobre a importância do bom convívio familiar, da honestidade, da verdade, do valor do trabalho e da educação, entre outros. Como há designações de leitura nas aulas, eles estão lendo muito melhor, com mais clareza e com menos erros. Eles mesmos já reconheceram esta mudança! Nas aulas são realizados trabalhos individuais, em duplas ou grupos, discussões e seminários, eles estão aprendendo a pensar de forma inteligente e a trabalhar em equipe. Aos poucos fomos acrescentando atividades físicas, como andar de bicicleta, fazer caminhadas, e atualmente eles participam de um time de futebol toda sexta-feira à noite. Na área educacional eles são motivados a estudarem o máximo que puderem, não importa se estão em escolas públicas, eles são ensinados que devem buscar seu próprio conhecimento e aprender muito além daquilo que é ensinado em sala de aula, “pois podem tirar tudo de uma pessoa, menos o seu conhecimento”. Também são incentivados a fazerem cursos em diversas áreas, e aperfeiçoarem seu desempenho na leitura, escrita e matemática, e a lerem todos os bons livros que puderem. Um deles contou-me que tirou dez numa prova de matemática. Eles são ensinados que devem se preparar para o futuro, “pois o sucesso é possível quando a oportunidade encontra a preparação”. Para ensiná-los são utilizados diversos métodos didáticos, dentre eles, histórias reais, como por exemplo, a de um homem chamado Dieter F. Uchtdorf, que além de ter uma infância pobre, foi refugiado duas vezes na Alemanha, mas venceu seus desafios e se tornou piloto de caça nos Estados Unidos. Eles são ensinados também sobre os processos seletivos e como preparar-se para entrar em uma escola técnica ou na universidade. Todos são motivados a desenvolverem habilidades artísticas, e estamos vendo a possibilidade de formarmos um coral. Já realizamos um “Show de Talentos” e já temos outras atividades programadas. No desenvolvimento comunitário e social, que os ajudará a tornarem-se melhores membros da família, da comunidade e do país, eles são incentivados a praticar os hábitos de higiene pessoal e boa aparência para seu bem-estar e daqueles que os rodeiam. Eles tem a oportunidade de participar de serviço voluntário na comunidade, em hospitais, asilos, creches, escolas e outros. Já realizaram um trabalho de limpeza geral na creche do Taquari. Eles aprendem que devem participar de associações comunitárias, e de pelo menos uma reunião na câmara de vereadores. Também nesta área é ensinado a eles a importância de uma boa peça teatral, de um bom filme, do convívio em sociedade, da participação em diversas atividades sociais salutares que proporcionaram conhecimento, cultura e bem-estar emocional. Passamos uma tarde no clube Itapema, muitos deles relataram que nunca tiveram a oportunidade de ir a um clube. Eles riram, se divertiram, jogaram, nadaram e brincaram muito. Esses jovens também estão aprendendo sobre planejamento, pois as atividades para o semestre que está iniciando, foram todas planejadas com eles de forma bem democrática, onde todos puderam opinar sobre o que gostariam de fazer. Pretendemos realizar neste semestre um show musical, campeonato de vídeo game, de flexão e de futebol, noite da pizza, do sorvete e do cachorro quente, vôlei, cinema, teatro, caminhada e corrida no Césamar, caça ao tesouro, gincana com diversas brincadeiras, coral e projetos de servico à comunidade. Continuaremos com as quatro aulas semanais (de terça a sexta-feira) sobre valores e princípios, e acrescentaremos aulas sobre democracia, cidadania, constituição federal, estatuto da criança e do adolescente, saúde, educação, segurança, gestão pública, entre outros. Às vezes temos a impressão que estamos fazendo um trabalho ínfimo, mas estamos tentando visualizar o futuro e a mudança que poderemos causar na vida desses jovens. Estamos trabalhando com doze jovens, parece pouco, mas faz a diferença, pois eles podem influenciar de forma positiva seus familiares, amigos e colegas de escola, e talvez no futuro possam fazer o mesmo por outros jovens. Se cada pessoa com dedicação, dignidade e diligência tiver o desejo de ajudar os outros, começando por sua família, prestando serviço à comunidade, fazendo a diferença no seu local de trabalho, estendendo a mão aos que precisam de ajuda, estaremos contribuindo para que o mundo das pessoas seja melhor, para que haja qualidade de vida nos lares, nos locais de trabalho, nas escolas e onde quer que estejamos.
“Vivam de maneira que as pessoas que os conheçam, ainda que não façam o bem, desejem fazê-lo por conhecerem vocês”.
SANDRI, SANDRA M. R
Especializanda em Gestão Pública e Sociedade
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