Páginas Vinculadas

Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

terça-feira, 27 de abril de 2010

frase sobre a usina Belo Monte

"Um país no qual o Judiciário se furta de controlar os desvios cometidos pelo Poder Executivo está a meio caminho de um regime autoritário. Um país no qual um de seus principais tribunais fecha os olhos para as muitas irregularidades de um processo sob o pretexto de que isso é necessário para o “desenvolvimento”, tem um futuro sombrio. Como pode haver desenvolvimento sem respeitar as regras mínimas estabelecidas? Que regime democrático é esse que proíbe as pessoas de se manifestarem e põe os interesses econômicos por cima da lei? Esse é um dia triste para o país."

Movimento Xingo Vivo

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sobre a entrevista da KA na revista não-VEJA

Amigos e amigas dessas trilhas carregadas de opções preferenciais, li hoje a entrevista da senadora do meu Estado, a Kátia Abreu, concedida à VEJA.

Vejam bem, Yavéh que nos proteja, Grandes Deusas, Jesus e os Orixás, corremos o risco de sermos doutrinados pela sábia Kátia Abreu, muito apropriada de firmes conhecimentos em sua área preferencial, conhecida de todos nós por defender grandes produtores agrícolas, a propriedade privada e o agronegócio, de todos os matizes, e corremos o risco de acabarmos engolidos pela nossa tão usada dialética, pelo contraditório dessa mulher, que teve abertura para falar para a revista Não-VEJA! e se diz preivilegiada por ser cotada para ser vice-presidenta do Serra.

Nós, aquelas e aqueles que estamos do lado de cá dessa pendenga luta de classes, dessa tão atual mas falsamente apagada assimetria econômica e social, chamados de radicais e esquerda sem causa, precisamos reparar bem pro jeito da madame Abreu, senadora do Tocantins: bem vestida, tranquila, falando bem, demonstrando capacidade de dialogar com os diferentes, defendendo trabalhadores e trabalhadoras rurais, conjunturando trabalho escravo, defendendo classe média rural, defendendo reforma agrária, porém condenando o que ainda chama de "invasões" e crime organizado do campo, avisando que há diferentes tipos de agronegócios e nos chamando praticamente de fundamentalistas, ignorantes e rebeldes sem causa, pois "eles" são muito compreensivos, justos e DEM-ocraticos.

Nós, aquelas e aqueles sempre CRIMINALIZADOS/AS precisamos abrir a nossa boca para mostrar que assim como ela tão bem defende aqueles a quem prefere, nós temos razões muito bem fundamentadas, científicas, reais, comprovadas, verdadeiras, intoleráveis para defender aqueles e aquelas a quem preferimos. Temos que arregaçar e radicalizar nossa preferência de classe, pois ela está fazendo isso com modos de conciliação e de social-democracia.

Não somos fundamentalistas da burrice, do crime, do oportunismo, da usurpação, da ilegalidade!

Somos empobrecidos seres, cheios de dignidade que sabem muito bem a diferença entre quem tira leite e quem provoca o leite por meios mecânicos; entre quem descança dois minutos para comer à sombra de uma árvore por falta de tempo e cadeiras de quem come confortável em salas refinadas os injustos e amaldiçoados banquetes pagos com o suor do povo, todos os dias.

Sabemos muito bem a diferença entre quem ocupa terras improdutivas e questiona a propriedade privada por amor à igualdade e à dignidade, aos direitos humanos de todas as pessoas e aqueles que as tomam, se apropriam para se tornarem cada vez mais ricos, destruindo e vendendo as riquezas da nação apenas para seu grupo de poder;

Sabemos muito bem a diferença na prática entre escravidão e sub-emprego e gordos salários, injustos salários para vestir terninho de grife e defender a elite agrária patriarcal e latifundária do país.

Sabemos muito bem a diferença entre falar duro e amolecer o coração para aqueles que sofrem no campo e na cidade e falar manso e adocicado com o coração fechado e empedernido, raivoso e preconceituoso contra mulheres e homens pobres do campo.

Sabemos a diferença entre gerar trabalho e renda para as mulheres socializando e repartindo tudo o que temos e doar umas poucas máquinas, tratores, mamógrafos e fazer proselitismo com isso, mesmo que tenha conseguido com os recursos públicos.

Bela a foto da senadora, de terninho e meias finas, com cara de quem já se sente vice-presidenciável, mesmo que isso deprecie quem mereceria (segundo demonstra) ter a caneta na mão para tomar as autoritárias decisões em favor dos ricos, dos empresários e da propriedade privada, ou seja, ela quer ser presidenta.

Pobre de nós, mulheres gordas, mal vestidas, arrastando chinelinhas, com dentes caindo, desempregadas, e com sub-salários atrasados. Mas, nós não nos vendemos aos DEM-ônios para um mísero poder. O poder que buscamos não é aristocrático, é equitativo-democrático. Com ele, mulheres lutadoras e justas não servem aos representantes do capitalismo, da destruição ambiental, da escravidão, do patriarcado. Estamos a serviço da justiça, da vida, da equidade aos trabalhadores/as, às mulheres e seus filhos/as.

Não só a caneta já está na nossa mão a muito tempo fazendo a história, como mudaremos essa história com essa mesma caneta e, sem nenhum triunfalismo, nenhuma letra lembrará mais dessa gente. Além das canetas, temos também as borrachas para apagá-los, sem medo de cometer injustiça ou de apagar um acerto da história e levá-los ao lugar que merecem, o lugar do esquecimento.

Para isso, temos a assistência dos anjos e anjas, de Deus/a dos exércitos e da Paz, de uma justiça que se não enxergamos na Terra é porque ela está se escondendo para no momento certo se Aparecer para nós. O 1o. Poder não é na seqüência que alardeiam. O primeiro poder é do alto, o resto vem depois. Assim como existe um outro mundo possível, que desejamos e ainda não vemos na totalidade, existe esse momento em que não haverá mais Kátias Abreus, Caiados, Sarneys, Siqueiras, tantos, e infelizmente, tantas outras que estão nos DEM-onizando. Santifiquemo-nos pela união e unidade nas lutas por esse outro mundo socialista possível.

Bendita seja a dialética e bendito seja o contraditório, por eles Deus/a que nos defenda!

*Indignada Bernadete AP, aquela quem tem nome de santa e que, às vezes, sabe usá-lo!!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

AVATAR, INDÚSTRIA BÉLICA E CULTURA POPULAR


“O Fim está Próspero” (Daniel, Luciana e Marcos)

Afirmei em texto aqui publicado (02/03/10) o seguinte: quem assistiu ao filme Avatar percebeu como os EUA são cientes das suas ações imperialistas no mundo. Para os USA a indústria cultural é tão importante quanto à bélica. Os donos do mundo podem ter suas Bombas da Paz a granel, com Obama só serão 1.550 ogivas nucleares. Há algum tempo experimentaram (1946-1958) mais de 20 artefatos da paz no Atol de Bikini e os habitantes das ilhas ainda convivem com a contaminação radioativa. Para a cultura popular Bikini é uma simples roupa de banho. E por falar em cultura certa vez fui convidado por um docente para debater sobre tema. Relutei, pois não sou especialista da área. Mas, diante da insistência, aceitei o desafio. Na ocasião certa compareci à reunião universitária e comigo quatro livros de alguns especialistas. É óbvio que não leria os livros, seria um horror! A intenção era mostrar a complexidade do tema. Desejava mencionar os autores e ler um conceito, poderia estimular a reflexão e quem sabe até pesquisas futuras. Não pensava em concluir ou fechar tema tão rico, não teria tamanha competência. O docente ficou surpreso com a presença dos livros e exclamou: “gente, ele trouxe livros! Deste jeito defenderá uma tese!” Eu fiquei um pouco aturdido com a exclamação, confesso que tive vergonha por andar em tais companhias. Livros! E o pior ou o melhor, não havia o risco de defender uma tese. Não sou uma pessoa tão sabida e nem “aloprada”. O professor fez a questão para os presentes: o que é cultura? Mas, adiantou-se e, de forma certeira, defendeu sua tese: “meu pai tinha um velho empregado caipira que com sua sabedoria popular dizia, cultura é tudo o que o ser humano produz”. Brilhante! Imediatamente um dos presentes complementou: “para mim a arte culinária é cultura”. Eu, sem muito jeito, aproveitei a dica e lembrei: Gilberto Freyre redigiu, em 1926, o “Manifesto Regionalista” sobre culinária. Que tolice! O que mais poderia dizer? Tenho mania de ler livros e prestar atenção no que falam os escritores, posso concordar, discordar. Vige, até aprender! Mas, às vezes, livros não são bem-vindos. Fiquei deslocado, não era momento de questionar as diferenças entre arte, artesanato e cultura. Nada demais, pois há até presidente de república que não gosta de livros. Ele diz que está escrevendo a história do país, o “Cara” é o “marco zero” do Brasil. E a classe obreira? Faz história? Bem, deixemos isto para lá, é “coisa” ultrapassada. A nossa reunião continuou alegremente com outras conversas, pois o tema havia esgotado. Pronto! Nada mais a desvelar. Imagine então perguntar: o que é cultura popular? Mais complexo ainda, não? Há quem defenda a tese de que a cultura popular é aquela produzida pelo o povo pobre. Se esta tese for verdadeira em breve não mais existirá cultura popular no Brasil, pois demonstram as recentes estatísticas que os pobres estão em extinção, são somente 4% da população. É o segundo “Milagre Econômico”! Salve o PAC, o PIB! Fico por aqui, vou escutar MPB e pinotar um frevinho de Olinda, pois não sou aruá. Salve os Tons do Zé!


Felipe Luiz Gomes e Silva- felipeluizgomes@terra.com.br

quinta-feira, 15 de abril de 2010

ALTERIDADE, SUBJETIVIDADE E GENEROSIDADE

ALTERIDADE, SUBJETIVIDADE E GENEROSIDADE

Frei Betto

A dificuldade, dentro da ótica neoliberal, é trabalhar a dimensão da alteridade. O que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.

A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas, e graças a essa complementação vivemos em sociedade.

Possivelmente, a cozinheira do meu convento sabe muitas coisas que não sei, e eu sei muitas coisas que ela não sabe. Mas se pesar na balança, e perguntar quem pode prescindir do conhecimento do outro, tenho certeza de que não posso prescindir da culinária dela para sobreviver. E ela, seguramente, pode prescindir da minha filosofia e teologia para sobreviver.

Numa sociedade de tamanho apartheid social como a brasileira, predomina a concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola, saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar um equipamento elétrico em casa, identificar o defeito do automóvel... e nos consideramos eruditos. E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade. Daí por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há, entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe.

Bem, nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja reações infantis...

Quem dera que fosse levada à prática aquela idéia de, pelo menos a cada três meses, cada setor de trabalho da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntar: “O que o povo pensa de mim?” E depois acrescentou: “E o que vocês pensam de mim?”

Quem de nós é capaz disso? Sempre acho que o outro pensa de mim aquilo que eu gostaria que pensasse. E morro de medo de ele falar aquilo que realmente pensa. Por isso mantenho o meu ego aprumado, pois, se ele falar, verei no olhar dele uma imagem que não é aquela que eu gostaria de projetar.

A questão da alteridade é séria. Não temos mais alteridade com a natureza. Essa é uma perda irreversível da nossa civilização. Não sei se um dia será resgatada, duvido muito. A nossa relação com a natureza é de sujeito para objeto. Só temos relação de sujeito a sujeito, como o índio tem, até os cinco anos de idade. Veja o exemplo de uma criança lidando com um cachorro bravo. Ela monta no cachorro como se fosse cavalo, enfia a mão na boca, sem risco, porque o cachorro percebe que a relação é de alteridade. É de sujeito para sujeito.

A partir dos cinco anos, perdemos a alteridade frente ao animal e ele percebe. A relação passa a ser de sujeito para objeto. O índio não. Ele mantém com a árvore, o rio, a mata, uma relação de sujeitado para sujeito. Daí a dificuldade dos teólogos cristãos de entenderem. "Ah, isso é animismo, isso é superstição". Não, isso é relação de alteridade. Ou seja, o outro é tão sagrado e dotado de dignidade e direitos quanto eu.

Eis a dificuldade que temos de entender o outro na sua dimensão. Mesmo nas filosofias progressistas, há sempre alguém marginalizado. O marxismo, por exemplo, convoca a classe trabalhadora como sujeito histórico, mas não os índios, não os desempregados, que no século passado eram chamados de lumpemproletariado. Em todas as culturas há sempre um setor secundário, considerado objeto, não sujeito histórico.

Quem, a meu ver, na cultura ocidental, melhor enfatizou a radical dignidade de cada ser humano, inclusive a sacralidade, foi Jesus. O sujeito pode ser paralítico, cego, imbecil, inútil, pecador, mas ele é templo vivo de Deus, é imagem e semelhança de Deus. Isso é uma herança da tradição hebraica. Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo. Paulo, na epístola aos romanos, assinala: “Todo a Criação geme em dores de parto por sua redenção". Os católicos rezam no Credo "creio na ressurreição da carne". Hélio Pellegrino dizia que não há nada mais revolucionário do que proclamar a ressurreição da carne. Portanto, a ressurreição não é do espírito. A carne representa a materialidade do Universo.

Não podemos, pois, partir do princípio de que isso aqui é o fim da história, como quer Fukuyama, ideólogo do neoliberalismo. A nossa humanidade é muito recente, neste Universo de 15 bilhões de anos. Há apenas 2 milhões de anos apareceu o ser humano. É absurdo achar que esse modelo neoliberal de sociedade é definitivo. Basta dizer que um fator tão natural e elementar, como a necessidade animal de comer, ainda é privilégio entre os 6 bilhões de habitantes do planeta. Sobretudo no Brasil. Aqui o escândalo é maior. Estamos entrando no século XXI, convivendo com a fome num país que tem potencial de três colheitas por ano. Os europeus estão vindo plantar uva em Pernambuco, porque em nenhum lugar da Europa dá, como ali, duas ou três safras de uva por ano. Somos o maior produtor mundial de frutas, o sexto produtor mundial de alimentos, e possivelmente o único país do planeta, com dimensão continental, sem nenhuma catástrofe natural. Não temos furacão, ciclone, maremoto, vulcão ou deserto. Nosso único problema é que não temos governo. Por culpa nossa, que votamos mal.

Nossas concepções éticas são forjadas por um processo social onde o capital, um bem finito, tem mais prioridade do que os bens infinitos - a dignidade, a ética, a liberdade, a paz, a experiência espiritual etc.


Estamos perdendo a vida interior, e entrando em outra anomalia, a hipertrofia do olhar e a atrofia do escutar. Estamos perdendo a experiência do silêncio. A perda da experiência do silêncio é a perda da possibilidade de encontro consigo mesmo. Quanto menos apreensão tenho do meu ser, mais dependente fico do meu ter. A ponto de a relação ser humano-mercadoria-ser humano se inverter. Passa a ser mercadoria-ser humano-mercadoria. Se chego na sua casa de BMW, tenho um valor A. Se chego de ônibus, eu tenho um valor Z. Sou a mesma pessoa, mas a mercadoria que reveste o meu ser humano passa a ter mais valor do que eu, e passa a me imprimir valor. É a síndrome da grife. O bem que eu porto é que imprime valor à minha qualidade como ser humano.

Dentro desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade.

Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível – porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou - a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade.

A nossa identidade é construída pela nossa história. A minha história é a minha história, e ninguém terá uma história idêntica à minha. E é isso que faz a minha identidade.

Quando eu estava preso na ditadura, vivi uma experiência pela qual nunca passei antes nem depois. Foi tão marcante, que nunca mais esqueci, e talvez isso me faça entender um pouco melhor os povos indígenas hoje, porque eles, com muita freqüência, vivem essa experiência.

Fiquei algumas semanas privado da possibilidade de ver o meu rosto num espelho. É uma experiência terrível: não se ver no espelho. E cheguei a uma conclusão que me pareceu absurda, mas que pode ser constatável por qualquer pessoa. Nenhum de nós, por mais que se olhe no espelho ao longo da vida, guarda a memória das suas feições. Sei como você é porque estou olhando-o agora, mas você não sabe como são as suas feições, a não ser quando se olha no espelho. É como se a natureza quisesse nos dizer que fomos feitos para olhar o outro, e não a si próprio.

Como os povos indígenas têm pouca relação com o espelho, possivelmente têm essa possibilidade de desenvolver o olhar para o outro, mais do que para si mesmo. Isso deve ter alguma influência. É uma experiência empírica minha. Mas que me levou a pensar o seguinte: “Como me espelho no olhar do outro? Como o outro se espelha no meu olhar?” Só posso saber isso pelo caminho mais curto - o diálogo, que é a possibilidade de expressarmos o que somos e sentimos, mais do que aquilo que pensamos. E, através dessa expressão, começarmos a apreender.

REUNIÃO DO GRUPO DE ESTUDOS GESTÃO PÚBLICA E SOCIEDADE

Caros Colegas:

O próximo encontro do Grupo de Estudos será dia 17/04/2010, sala 2, bloco E.

Pauta:
1. Informes;
2. Discussão do Texto do Frei Beto (importante a leitura prévia);
3. Cronograma de Elaboração do Projeto 'Escola de Democracia";
4. Outros.

Aguardo a sua presença, que é de fundamental importância para que o grupo prossiga com seus objetivos.

domingo, 11 de abril de 2010

Avatar II: a luta contra Belo Monte


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Escrito por Rodolfo Salm
10-Abr-2010

James Cameron, diretor de Titanic e da badalada aventura ecológico-espacial Avatar, esteve em Altamira no final de março para conhecer a região onde se pretende construir a hidrelétrica de Belo Monte. Dias antes, durante sua participação no Fórum Internacional de Sustentabilidade em Manaus, nos dias 26 e 27, o cineasta havia "implorado" ao presidente Lula que reconsiderasse a decisão da construção da monumental obra no Xingu. No dia 29 ele dirigiu-se de barco à Terra Indígena Arara, da Volta Grande do Xingu. Lá, reuniu-se com índios de várias etnias, incluindo os Kayapó, e mais tarde encontrou-se conosco, representantes da universidade, da Igreja, dos movimentos sociais e dos ribeirinhos, os100410_rodolfosalm_1.jpg não-índios que também lutam contra a concretização deste projeto desastroso. Cameron relatou-nos que ficou sensibilizado com a preocupação dos índios com o rio, a floresta e as futuras gerações. E que dissera a eles que o sucesso mundial do seu novo filme abre-lhe, por algum tempo, a possibilidade de ajudá-los, divulgando seus temores na luta contra Belo Monte em larga escala.

Para municiá-lo com informações importantes para esta luta, falamos de nossas preocupações. Eu fiz questão de lembrar a extrema fragilidade ecológica da floresta da bacia do rio Xingu, fragilidade esta relacionada à sua forte sazonalidade climática, que faz com que nos longos períodos muito secos a floresta queime com facilidade. Assim, as grandes ondas migratórias que inevitavelmente acompanhariam a construção da barragem e a multiplicação das atividades econômicas destrutivas para a floresta que acompanhariam a infra-estrutura criada levariam, em poucos anos, à destruição de metade de toda a floresta amazônica. E que isso tudo faz da campanha contra Belo Monte a mais importante empreitada ecológica da atualidade. Disse ainda que ele, hoje, trabalhando com um meio de comunicação tão poderoso quanto o cinema, poderia ter uma importância ainda maior que Sting teve em 1989, quando o músico, aliado a importantes líderes Kayapó como Raoní e Paiacan, atraiu a mídia internacional para a demonstração que redundou na suspensão do financiamento do Banco Mundial para esta mesma obra desastrosa. Ao que ele me respondeu que se encontraria com Sting dentro de alguns dias, e poderíamos assim ter os dois unidos na causa.

A reação às declarações de Cameron foi imediata. O jornalista Sérgio Barreto Motta publicou em seu blog no Monitor Mercantil Digital, já dia 29, um artigo que começa assim: "Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU lideram na produção e exportação de armas e controlam 95% do arsenal nuclear da Terra. A Inglaterra participou de investidas polêmicas, como a Guerra do Iraque; os Estados Unidos foram o único país do mundo a jogar bombas atômicas em seres humanos. A China ocupou o Tibet, mas o premiado diretor de Exterminador do Futuro, Titanic e Avatar, James Cameron, vem ao Brasil dizer que não deve ser construída a hidrelétrica de Belo Monte".

À parte o completo descomprometimento deste argumento com qualquer sentido mínimo de lógica, é curiosa (e, por que não, apropriada) a comparação do jornalista da construção da hidrelétrica de Belo Monte com algumas das maiores tragédias da humanidade, em sua lamentável defesa de que também poderíamos cometê-las. Para o jornalista, Cameron, ao somar-se aos que protestam contra o projeto Belo Monte, "adverte o Brasil para não crescer, ou então para crescer com base em óleo e carvão, ou mesmo com base nuclear, que não gera gás carbônico, mas cujo lixo ainda não tem destino certo no planeta". Como se a energia de Belo Monte, que tem como objetivo final principalmente a mineração nesta região (e a conseqüente destruição da Amazônia), fosse nos trazer desenvolvimento econômico. Não traria.

Essa energia seria usada, como na história de Avatar, para atender a interesses alienígenas, voltados à exploração da bauxita, o nosso "unobtainium" (fictício minério valiosíssimo do filme), por grandes mineradoras multinacionais que estão se instalando rapidamente em toda a região Amazônica. Esta energia, na verdade, seria exportada de forma bem baratinha, embutida no preço de minérios, de cujo lucro veríamos uma ínfima parte. Ao invés de gerar desenvolvimento, essa obra seria um peso morto nas costas do contribuinte e a rápida destruição da Amazônia traria mais subdesenvolvimento, mudanças climáticas, seca e fome para o resto do país, uma vez que, por exemplo, boa parte das chuvas que permitem a agricultura do estado de São Paulo desloca-se por "rios voadores" conduzidos por correntes atmosféricas a partir da floresta amazônica.

O jornalista prossegue: "O Brasil recebeu essa dádiva, que é a possibilidade de gerar energia para o desenvolvimento simplesmente com o uso da água. E essa estrela internacional, colecionador de prêmios, vem a seminário em Manaus trazer a mensagem de que a usina de Belo Monte faz mal ao planeta". Corrijo o articulista: na verdade, a dádiva de nosso país é ter em seu território a maior parte da maior floresta tropical do mundo, e não água para gerar energia para a exploração destrutiva de seu subsolo. E Cameron não veio ao Brasil dizer o que devemos fazer. Deve, isso sim, ao sair daqui, dizer ao mundo que nós, brasileiros que vivemos na região, não queremos a usina porque ela faria muito mal a nós e ao planeta. Em Manaus, James Cameron comparou a luta dos Kayapó que se opõem à usina à dos Na'vi, povo criado por ele no filme e que vive na floresta de Pandora. Antes da vinda do diretor ao Brasil, Marina Silva já fizera a mesma comparação: "Quem pensa que a história relatada no filme Avatar só pode ocorrer em outro planeta, engana-se: Pandora também pode ser aqui", em referência a Belo Monte.

Sou mais pessimista que James Cameron quanto à tecnologia e o futuro da humanidade. Em 2154, não acredito que estaremos chegando a galáxias distantes em naves espaciais colossais para roubar energia de planetas ainda virgens. Estaremos na verdade aqui, definhando. Seremos uma espécie ameaçada de extinção pelo longo processo de degradação ambiental e por termos exaurido e contaminado nossas principais fontes de vida e energia. E este processo teria na construção da hidrelétrica de Belo Monte um marco fundamental do barramento de todos os rios da Amazônia, e da consumação da sua destruição completa. Algumas analogias presentes no filme são perfeitamente didáticas. A minha preferida é a observação da Dra. Grace Augustine, a botânica interpretada pela atriz Sigourney Weaver que vive em Pandora há 15 anos, em relação ao Unobtainium: "a riqueza deste mundo não está no solo, está em toda a nossa volta, os Na’vi sabem e estão lutando para defender isso".

100410_rodolfosalm_b.jpg

Recentemente, estive no local exato onde se pretende construir a muralha que barraria o Xingu, na altura da ilha Pimental. Sobre a ilha, por onde a barragem passaria cruzando o rio, há uma imensa árvore morta que nos dá uma idéia aproximada da altura do possível paredão de 30 metros (ver foto acima). Hoje, trata-se de uma região paradisíaca, incrivelmente preservada.

Passando de barco pela área é difícil acreditar que dentro de poucos anos pode haver ali um muro da altura de um prédio de dez andares. E que, acima da muralha, o rio que corre daria lugar a um lago podre e parado e, abaixo dela, o Xingu, com sua água desviada para canais de derivação, ficaria permanentemente quase seco, transformando suas margens em desertos, e expondo o seu leito aos garimpeiros e enxames de pragas que se multiplicariam nos pedrais e poças abandonadas.

O desfecho desta história real é difícil de antecipar. Apesar do leilão marcado para as próximas semanas, não há nada definitivo sobre Belo Monte. Nós não temos aqui na Terra aqueles seres gigantes alados, convocados em Pandora para auxiliar os Na’vi na sua luta final contra os terráqueos alienígenas. Mas não faltam guerreiros dispostos a matar e a morrer pela vida do rio, que também é sagrado para os que vivemos aqui. Felizmente, parece que teremos importantes aliados na tarefa de levar esta história ao mundo. E eles estão começando a se mexer.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

Obs: Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/4522/9/

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Por uma nova concepção de desenvolvimento

Quando saí do meu sertão do Bodocó, minha mala era um saco, meu cadeado era um nó.” (Lula, O Rei do Baião)


Com o sabemos as ideias desenvolvimentistas foram derrotadas com o Golpe Militar de 1964. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, dominada pelo coronelato, foi corrompida e destruída. Neste período vivenciamos o que se chamou “Milagre Econômico”. A taxa de crescimento econômico de 1968/1973 atingiu 11,1% a.a., uma das maiores do mundo. Crescimento econômico com superexploração do trabalho, destruição da natureza e dos meios tradicionais de sobrevivência humana, como a pesca artesanal, não deve ser considerado desenvolvimento, isto é, progresso humano. Desenvolvimento requer justiça social e respeito ao ambiente. Nesta direção há no nordeste brasileiro (NE) um movimento que defende empreendimentos solidários apropriados ao semiárido. As práticas culturais do “Movimento Articulação Semiárido” poderão deter a expulsão dos pobres da região. Ao longo da história o NE tem abastecido os canaviais, os laranjais e as periferias urbanas do país com mão de obra barata, negra, branca e parda. Muitos são jardineiros, porteiros, pedreiros, catadores de lixo, empregadas domésticas, “pau para toda obra”. Os chamados bóias-frias podam mais de oito toneladas de cana/dia e, muitas vezes, morrem por exaustão física e mental. Mesmo assim ouvimos dizer que os nordestinos estragam S. Paulo, ou seja, vítimas da superexploração são considerados culpados da miséria. Causas políticas e estruturais explicam a situação de extrema pobreza do NE. A história tem demonstrado que as grandes obras hídricas não resolvem o pauperismo e a concentração de renda, geram grandes lucros para os coronéis, as empreiteiras, os produtores e exportadores de frutas. Infelizmente o Índice de Exclusão Social do NE é de cerca 69% (2000); sem horizontes os miseráveis vivem em estado de letargia política e social. Em Alagoas e Maranhão, terra de famosos coronéis, cerca da metade da população recebe a bolsa-família. Sem transformações estruturais os “estômagos acomodados” dizem: amém. É óbvio! Mas o papel da “ciência é desvelar a obviedade do óbvio”. Há no NE 70 mil açudes com 37 bilhões de m3 de água armazenadas. É sabido que 70% das águas da transposição do Rio Chico serão destinadas à irrigação, 26% para consumo industrial e urbano, só 4% para consumo humano. Como os 22 milhões de nordestinos, dispersos no semiárido, serão beneficiados? No livro “Seca e Poder” Celso Furtado defende a distribuição justa da água acumulada. É importante saber que há mais de 100 tecnologias sociais apropriadas à cultura da região, desde cisternas para captar água da chuva, produção de queijo com leite de cabras, até bancos de sementes para a produção alimentar saudável. Diz o escritor Ariano Suassuna: “eu sempre simpatizei com as cabras”. Eu também! Reconheço a contribuição dos caprinos para a cultura do NE. Não simpatizo com o “poder do atraso” dos velhos e novos coronéis. As prioridades para o semiárido são: empreendimentos solidários, tecnologias sociais e distribuição da água acumulada. Salve Margarida Alves! Fontes: Censo Demográfico, www.asabrasil.org e www.fundaj.gov.br


Felipe Luiz Gomes e Silva