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Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

SAÚDE MENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: AVANÇOS NO BRASIL



Natália Matos Pereira - Psicóloga pelo Centro Universitário Luterano de Palmas e pós graduanda em Gestão Pública e Sociedade.

As práticas que perpassam a saúde mental trazem as mais variadas significâncias. A priore a doença mental era vista como manifestação divina que seriam anúncios de mau presságio, na Grécia era “curada” por meio de banhos especiais e purgativos. Na Idade Média passou a ser considerada algo maligno, desenvolvida por possessões demoníacas, etc. Em seu modelo clássico a loucura ganhou uma conotação biológica, assim sua manifestação se dava em prol de alguma disfunção orgânica e assim era tratada.
A partir desta visão organicista foi que se desenvolveu a Psiquiatria curativa, Clássica, contudo, a sociedade está em constante mutação, e assim se encontram também as formas de estudo, os conceitos, as necessidades e as visões. Deste modo chegou um ponto em que o clássico não atendia mais as demandas que a doença mental apresentava.

A psiquiatria clássica veio desenvolvendo uma crise tanto teórica quanto prática, detonada principalmente pelo fato de ocorrer uma radical mudança no seu objeto, que deixa de ser o tratamento da doença mental para ser a promoção da saúde mental. É certamente no contexto desta crise que surgem as novas experiências, as novas psiquiatrias. (AMARANTE, 1995, p. 21)

Assim, nas primeiras décadas do século XX se deu o movimento da Antipsiquiatria, este tinha por objetivo dar um novo olhar à doença mental. Antes visto apenas pelo aspecto orgânico o louco era retirado de seu convívio social e encarcerado nos hospitais psiquiátricos, que funcionavam como depositários de seres humanos submetidos à condições análogas a de um animal.

A antipsiquiatria tentou alterar este ponto de vista: a loucura não é uma doença, da mesma forma como entendemos as doenças. Ela somente parece uma doença se olhada a partir de um esquema médico-nosológico. (...). Se mudarmos a nossa posição e passarmos a olhar a loucura de outro ângulo e com instrumentos de raciocínio diferentes, ela não mais se parecerá com uma doença. Ela será vista muito mais como “um jeito de ser” um jeito não usual de se estar no mundo. (DUARTE JUNIOR, 1987, p. 11).

A intensificação da antipsiquiatria se deu a partir do pós-guerra, como conseqüência desse novo olhar, podemos destacar o movimento de desinstitucionalização vivenciado pela Itália, tal movimento perpassa para além da instituição, diferente do que muitos a entendiam. A desinstitucionalização não era apenas uma luta contra o paradigma da instituição psiquiátrica, o manicômio, além da superação do modelo hospitalocêntrico, ela atendia de fato aos princípios da antipsiquiatria, desse novo olhar para com a loucura. Parte-se não da prática da doença-cura e sim do cuidado, da re-humanização do ser adoecido, haja vista a sua condição animalesca no tratamento manicomial.

Podemos então afirmar que a desinstitucionalização é um trabalho prático de transformação que, a começar pelo manicômio, desmonta a solução institucional existente para desmontar (e remontar) o problema. Certamente se transformam os modos nos quais as pessoas são tratadas (ou não tratadas) para transformar o seu sofrimento, porque a terapia não é mais entendida como perseguição da solução-cura, mas como um conjunto complexo, e também cotidiano e elementar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o problema em questão através de um percurso crítico sobre os modos de ser do próprio tratamento. (ROTELLI, LEONARDIS, MAURI, 2001, p. 29)

Assim, a desinstitucionalização coloca em questão não o manicômio, mas a loucura. Desmontá-la para montá-la novamente, mas agora com uma nova perspectiva, a do cuidado, das relações, da representação social, da ressocialização. O manicômio aqui é um representante dos significantes e significados da doença mental e de práticas ineficientes e desumanas no tratamento do ser adoecido.
O movimento italiano serviu de exemplo e impulsionador para o desenvolvimento de novas políticas no tratamento da loucura em outros países. No Brasil o movimento ganhou o nome de Reforma Psiquiátrica e se instaurou na década de 70, sendo deflagrado com a greve dos profissionais da Divisão Nacional de Saúde Mental, o episódio ficou conhecido como ‘Crise da DINSAM’. A crise teve como estopim denúncias realizadas por médicos de uma das instituições que compunham a DINSAM, estes relataram as irregularidades do serviço, bem como a precariedade do mesmo. Como resultado do episódio nasceu o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que tinha por objetivo as melhorias das condições de trabalho de assistência psiquiátrica (AMARANTE, 1995). Período também em que se intensificava as movimentações políticas em prol de um sistema de saúde pública no país o qual atendesse as necessidades básicas, não apenas as emergenciais.
Assim, o Governo Federal passa a desenvolver vários programas de assistência à saúde, tais como o PIASS (Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento), este foi a primeira ação de medicina simplificada de cunho federal desenvolvida no pais; Campanhas de Vacinação contra paralisia infantil, conferências com a temática ‘saúde para todos’, etc.


Fonte: Integralidade nas Políticas de Saúde Mental

Embora surgida junto aos movimentos sanitários a Reforma Psiquiátrica possui seu próprio perfil e história, ganhou destaque nos espaços públicos e passou a ser tema para políticas públicas.

O ano de 1978 costuma ser identificado como o de início efetivo do movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento plural formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, surge neste ano. É sobretudo este Movimento, através de variados campos de luta, que passa a protagonizar e a construir a partir deste período a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e a construir coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p.6)

A Reforma Psiquiátrica é um movimento que veio como uma tentativa de atender às novas necessidades que surgiam no âmbito dos tratamentos psiquiátricos, um novo olhar que se voltava para a saúde coletiva confrontando com a brutalidade asilar. Segundo Amarante (1995), ao seguir o pensamento de Birman e Costa, tal movimento foi viabilizado devido à própria psiquiatria clássica que:

Veio desenvolvendo uma crise tanto teórica quanto prática, detonada principalmente pelo fato de ocorrer uma radical mudança no seu objeto, que deixa de ser o tratamento da doença mental para ser a promoção da saúde. É certamente no contexto desta crise que surgem as novas experiências, as novas psiquiatrias. (AMARANTE, 1995, p. 21)

O objetivo central da Reforma psiquiátrica é o de transformar o modelo curativo, excludente e assistencial dos tratamentos da doença mental em práticas de promoção de saúde. Substituição do modelo asilar, manicomial por uma rede de serviço de atenção psicossocial, que venha atender as necessidades do portador de transtorno mental de forma a inseri-lo ao convívio social, devolvendo-lhe o status de cidadão.
Assim a Reforma Psiquiátrica no Brasil se constitui como um:

Processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p.6)

As denúncias dos abusos e irregularidades das instituições de assistência psiquiátrica tornaram-se mais freqüentes, os grupos envolvidos no processo da Reforma Psiquiátrica, iniciaram o movimento intitulado de Luta Antimanicomial, indo assim, além dos espaços delimitados pelo processo de busca por melhores condições nas instituições psiquiátricas.
A Desinstitucionalização na Itália, assim como a Luta Antimanicomial no Brasil podem ser entendidos como:

Um trabalho prático de transformação que, a começar pelo manicômio, desmontar a solução institucional para desmontar (e remontar) o problema. Concretamente se transformam os modos nos quais as pessoas são tratadas (ou não tratadas) para transformar o seu sofrimento, porque a terapia não é mais entendida como perseguição da solução-cura, mas como um conjunto complexo, e também cotidiano e elementar, de estratégias indiretas e mediatas que enfrentam o problema em questão através de um percurso crítico sobre os modos de ser do próprio tratamento. (ROTELLI, LEONARDIS, MAURI, 1990, p.29)

Neste contexto surge o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil, em março de 1986 na cidade de São Paulo. O CAPS foi a realização da concretude da esperanças dos que sonharam com um processo diferente no tratamento ao adoecer psíquico. O Modelo foi seguido por várias regiões do país, ocasionando a diminuição das internações e efetivando uma rede de atendimento em substituição aos manicômios.
Um ano depois deste marco a Constituição Federal valida a criação do Sistema Único de Saúde. No ano seguinte a luta antimanicomial se anuncia perante o Legislativo por meio do Deputado Paulo Delgado que apresentou um Projeto de Lei ousado o qual regulamenta os direitos dos portadores de doença mental e propôs a extinção gradativa dos manicômios.
A criação oficial dos CAPS, bem como dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) se deu em 1992 com a Portaria GM 224/92 que os definiam como “unidades de saúde locais/ regionalizadas que com uma população descrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional”. Atualmente, estes serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, são regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, que os integrou ao Sistema Único de Saúde e ampliou as competências dos CAPS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Após tais portarias pode se afirmar que os CAPS surgiram como uma estratégia do Ministério da Saúde e do SUS, tornando-se um serviço de referência para o tratamento dos que são acometidos por sofrimento psíquico. O CAPS assim, torna-se um serviço com responsabilidade de suporte e supervisão para os demais serviços que compõem a rede de atenção à saúde mental. A exemplo destes serviços de base têm-se o Programa de Saúde na Família (PSF). Fazem parte ainda da rede de atenção à saúde os ambulatórios, hospitais gerais, residências terapêuticas, entre outros.
As políticas de saúde no Brasil perpassam por uma rede a qual uma unidade depende da outra, no tocante a saúde mental o ponto de referencia são os CAPS. Estes são espaços que propiciam o desenvolvimento das potencialidades dos usuários, espaços que possibilitam a devolução da condição de ser, do estado de cidadão, é espaço de promoção de autonomia dos sujeitos adoecidos. Esta ultima aqui deve ser entendida como:

Momento em que o sujeito passa a conviver com seus problemas de forma a requerer menos dispositivos assistenciais do próprio serviço. Assim, caberia à instituição funcionar como um espaço intermediário, um local de passagem, na medida em que possibilitaria aos usuários um aumento de seu poder contratual, emprestando-lhe, segundo Tykanori (1996), sua própria contratualidade. Importa menos, neste sentido, criar e impor critérios de autonomia para esta clientela, mas observar qual seria o lugar ocupado pela questão no interior de uma nova perspectiva de atenção à loucura, como a instituição a concebe e promove no cuidado de seus usuários. (SANTOS et al,2000, p. 3)

Sendo assim, o CAPS deve ter suas propostas de prática sustentadas pelos pilares do respeito aos direitos de cidadania, à inclusão social e principalmente à condição de ser do humano, sendo o serviço responsável por viabilizar o restabelecimento dos laços sociais, rompidos ou enfraquecidos pelo seu adoecimento, buscando sempre a minimização do estigma de ser doente mental, construído social e culturalmente ao longo do desenvolvimento da nossa sociedade, ou seja, o CAPS deve funcionar de forma a ser um espaço promotor de vida.
Contudo, embora tenhamos princípios estabelecidos pelo Ministério da Saúde para norteamento do que é um CAPS ou mesmo da atenção à saúde mental, temos que considerar que tais práticas são recentes e ainda estão em construção, portanto, não teremos igualdade nos sistemas, por vezes, tentativas de padronização, assim segue um questionamento, como estabelecer diretrizes para a atuação profissional em saúde mental?
A resposta para tal pergunta também está em desenvolvimento, devendo perpassar o coletivo, a construção deve se dá entre usuários e profissionais do serviço, porém, o princípio básico até mesmo para tal gestação de diretrizes é o da humanização dos processos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVES, Domingos Sávio. Integralidade nas Políticas de Saúde Mental. Disponível em: http://www.lappis.org.br/media/artigo_domingos1.pdf


AMARANTE, Paulo. Loucos Pela Vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.


BRASIL, Ministério da Saúde. Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília; 2004.


BRASIL, Ministério da Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas. Brasília, novembro de 2005. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Relatorio15%20anos%20Caracas.pdf


DUARTE JÚNIOR, João Francisco. A política da loucura (A antipsiquiatria). 3.
ed. São Paulo : Papirus, 1987.


ROTELLI F, LEONARDIS O, MAURI D. Desinstitucionalização, uma outra via. A Reforma Psiquiátrica Italiana no contexto da Europa Ocidental e dos "Países Avançados". In: ROTELLI F, LEONARDIS O, MAURI D, RISIO C. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec; 1990.


SANTOS, Núbia Schaper, ALMEIDA, Patty Fidelis de, VENANCIO, Ana Teresa et al. A autonomia do sujeito psicótico no contexto da reforma psiquiátrica brasileira. Psicol. cienc. prof. dez. 2000, vol.20, no.4, p.46-53. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932000000400006&lng=pt&nrm=iso.

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