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Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

sábado, 29 de agosto de 2009

Belo Monte: Carta ao Lula

Ao Excelentíssimo Presidente da República,

Senhor Luis Inácio Lula da Silva.



Excelentíssimo Senhor Presidente,


Em nome dos movimentos sociais do Rio Xingu, representados pelas pessoas abaixo assinadas, com relação ao Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte, obra prevista pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a ser executado no Rio Xingu, apresentamos o seguinte requerimento:



Questionar a viabilidade econômica, ambiental, social, técnica e cultural do empreendimento supracitado, considerando que:



1. A Bacia do Rio Xingu é única no planeta. Mais da metade de seu território é formada por áreas protegidas. São 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas e 18 Unidades de Conservação.

2. Como demonstram estudos técnicos e antropológicos realizados na região, o empreendimento proposto atingirá, em diferentes graus, as seguintes populações:

• Populações indígenas de diversos povos, que apresentam enorme riqueza sócio-cultural e vivem isoladas na Terra do Meio;

• Populações extrativistas que convivem com a floresta às margens do rio Xingu e de seus afluentes; e

• Milhares de colonos que se estabeleceram ao longo da rodovia Transamazônica, encorajados por políticas governamentais de ocupação da Amazônia implementadas a partir dos anos 1970.


3. O empreendimento trará forte pressão migratória à região da Transamazônica, estimada em aproximadamente 200 mil migrantes, atingindo o já inoperante sistema de serviço público local, como saúde, educação, segurança pública, além do potencial aumento do conflito agrário e desmatamento;

4. A possibilidade de implementação do AHE Belo Monte suscita para os povos da região grandes inseguranças. O rio Xingu e seus afluentes são muito importantes para a população, permitindo o acesso às escolas, aos centros de saúde, os encontros entre povos, a obtenção de alimento e as trocas comerciais;

5. O projeto do AHE de Belo Monte é tecnicamente inviável, pois a potência instalada prevista, de 11,233 MW, só estará disponível durante três a quatro meses por ano. A energia firme, de apenas 4.462 MW, inviabiliza financeiramente o projeto;

6. O processo de condução de implantação do empreendimento vem apresentando uma série de irregularidades no respeito à legislação brasileira (indigenista, ambiental, administrativa e constitucional);

7. Alternativas ao projeto existem e são economicamente viáveis, tendo como exemplo o leilão de concessão de exploração de energia eólica a ser realizado em novembro pela Aneel, com capacidade instalada de 13.000 MW, maior que a própria AHE Belo Monte;

8. A decisão de construção de uma obra desse porte, em uma Bacia como a do Rio Xingu, com sociobiodiversidade única no planeta, não pode ser tomada de qualquer jeito, atropelando a população, os costumes locais, a sabedoria dos povos das florestas, atropelando o próprio processo de licenciamento previsto em lei. Diferentemente do que foi feito no rio Madeira, os povos do Rio Xingu não se subordinarão à decisão sobre a construção da AHE de Belo Monte.



Acompanhando esta carta vos encaminhamos, para contribuir com vossa análise, os seguintes documentos: (1) Carta dos índios Kayapós; (2) Abaixo-assinado de agricultores que serão afetados caso o empreendimento venha a ser construído; (3) Textos de agricultores familiares com opiniões sobre Belo Monte; (4) Carta do encontro dos Povos Indígenas de Altamira, realizado em maio de 2008; (5) Livro "Tenotã-mo – Alerta Sobre conseqüências dos projetos Hidrelétricos no Rio Xingu", organizado pelo Prof. Oswaldo Sevá em 2005; (6) Livro "Convenção 169 da OIT sobre povos Indígenas e Tribais", organizado por Biviany Rojas em 2009; (7) Carta SOS Xingu, de 26 de setembro de 2001, escrita em resposta ao assassinato de Aldemir Alfeu Federicci, DEMA; (8) Moção de Recomendação do Conselho da Criança e do Adolescente de Altamira; (9) Planejamento Estratégico Participativo das Entidades da Transamazônica e Xingu, de agosto de 2003; (10) Mapa do desmatamento na Bacia do Rio Xingu.



Assinam esta carta:


# Antonia Melo da Silva - Movimento Xingu Vivo para Sempre
# Dom Erwin Krautler – Prelazia do Xingu
# Prof. Dr. Célio Bergman – Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo
# Dr. Felício de Araújo Pontes Júnior – Procurador da República, Ministério Público Federal do Estado do Pará
# Idalino Nunes de Assis – Representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Extrativistas de Porto de Moz
# José Carlos Ferreira da Costa - Liderança indígena Arara da Volta Grande do Xingu
# Lucimar Barros da Silva – Representante dos agricultores familiares da Volta Grande do Xingu
# Ozimar Pereira Juruna – Liderança indígena Yudjá da TI Paquiçamba, na Volta Grande do Xingu
# Dr. Rodrigo Timóteo da Costa e Silva – Procurador da República, Ministério Público Federal em Altamira



Reflexões Complementares:



O Rio Xingu é um símbolo da diversidade biológica e cultural brasileira. Ao longo de seus 2,7 mil quilômetros, ele corta o nordeste do Mato Grosso e atravessa o Pará até desembocar no rio Amazonas, formando uma bacia hidrográfica de 51,1 milhões de hectares (o dobro do território do Estado de São Paulo) que abriga trechos ainda preservados do Cerrado, da Floresta Amazônica e áreas de transição.



A Bacia do Rio Xingu é única no planeta: mais da metade de seu território é formada por áreas protegidas. São 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas e 18 Unidades de Conservação. Dos 66 municípios com alguma porção de terras dentro da Bacia, 24 têm sede na Bacia do Xingu e, além de ter uma relação de dependência muito grande com o rio, são pontos de referência para as diversas populações indígenas do Parque Indígena do Xingu, Terra Indígena Kayapó, Menkranogti, Baú, Apyterewa, Trincheira Bacajá, entre outras.



Essa riqueza sócio-cultural traduz-se pela presença de 20.776 indígenas, de 24 povos, alguns vivendo isoladamente na Terra do Meio e nas Resex dos rios Xingu e Iriri, como demonstram estudos antropológicos realizados na região. Além dos povos indígenas, populações tradicionais convivem com a floresta às margens do rio Xingu e de seus afluentes há mais de um século. Chegaram na região impulsionadas pelos ciclos de exploração da borracha, vivendo hoje principalmente da agricultura, da pesca e do extrativismo vegetal. Somam-se a esses, os milhares de colonos oriundos principalmente do nordeste ou do sul, que se estabeleceram ao longo da rodovia Transamazônica e de seus travessões, encorajados por políticas e projetos governamentais de ocupação da Amazônia implementados a partir dos anos 1970. Apesar das dificuldades estruturais que enfrentam, desenvolvem uma agricultura familiar responsável hoje pela 2ª maior produção de cacau do país! Há também médios e grandes fazendeiros, somando 1.267.000 de habitantes.



É grande e antiga a mobilização social que caracteriza os colonos que habitam a Transamazônica, seus travessões e vicinais na região de Integração do Xingu, em torno do desenvolvimento da região da Transamazônica e do Xingu e de melhores condições de vida. Esses colonos que vivem nos municípios de Placas, Uruará, Medicilândia, Brasil Novo, Altamira, Vitoria do Xingu, Senador José Porfírio, Anapu, Pacajá, Porto de Moz, e Gurupá, e que formam as áreas de influência direta e indireta (AID e AII) da UHE de Belo Monte, vêm dialogando desde o final da década de 80 para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável para a região, que leve em conta as dificuldades vividas pela população, em decorrência do abandono em que se encontram por parte das políticas públicas. Dentro deste projeto de desenvolvimento, a pavimentação da rodovia BR 230 (Transamazônica) foi identificada como uma das prioridades para facilitar o vai-e-vem, a comercialização da produção, o acesso à educação e à saúde para uma população na qual as mulheres ainda morrem de parto. O que se busca não é cristalizar o desenvolvimento regional, mas sim pensá-lo nos termos da Amazônia, incluindo o uso sustentável de suas riquezas, com o respeito dos modos de vida tradicionais e das culturas que evoluíram nesses territórios ao longo de milhares de anos.



A possibilidade de implementação da UHE Belo Monte suscita para os povos da região grandes questionamentos e inseguranças. O rio Xingu e seus afluentes são muito importantes para a população. A navegação no rio é a forma de transporte mais utilizada, permitindo o acesso às escolas, aos centros de saúde, possibilitando as trocas e os encontros. Como ficará a navegabilidade no rio Xingu? Para onde irão as cerca de 20.000 pessoas que serão deslocadas em conseqüência do enchimento dos Reservatórios do Xingu e dos Canais? A vazão ecológica, proposta para o trecho de vazão reduzida, possibilitará a manutenção das condições ecológicas responsáveis pelo grande número de espécies de peixes ornamentais, cuja coleta é uma das principais atividades econômicas da população neste trecho do rio? Os estudos e o relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) identificam como de elevada magnitude a sobrecarga na gestão da administração pública dos municípios que acolherão mais de 200.000 pessoas que integram o fluxo migratório previsto, considerando a construção das Barragens e linhas de transmissão. Que tipo de apoio na gestão da administração pública receberão esses municípios? Em quanto tempo?



O projeto da UHE de Belo Monte apresenta sérios problemas nos números, que têm sido contestados por diversos cientistas, movimentos sociais e meios de comunicação. Qual o custo real da obra e, portanto, do kWh de energia que poderia ser gerado? O EIA apresenta um custo médio de R$ 784/kW, considerando o valor de potência instalada de 11.233,1 MW - quando o próprio EIA revela a expectativa de uma energia firme, fruto de uma potência média real acionada pelas águas do rio no valor de 4.462,3 MW. Quanto custará de fato o kWh de energia gerada incluindo também as linhas de transmissão necessárias para a interligação ao sistema? As linhas de transmissão projetadas suportam a energia a ser gerada? Os documentos referentes aos custos da obra ainda não estão disponíveis ao público, mas já surgem estimativas que variam de 7 a 30 bilhões e que colocam em cheque a viabilidade econômica do empreendimento e a remuneração do capital que supostamente seria investido. Existe também um conjunto de custos socioambientais que não foram contabilizados no empreendimento.



A complexidade da obra envolve áreas alagadas ao longo do rio acima da barragem principal; áreas de canteiros de obras das represas e diques sobre terra firme nas quais hoje vivem agricultores e pescadores, inclusive originários de históricas migrações de outros cantos do País, quando a Transamazônica avançou sobre Altamira; e uma região que sofrerá com a vazão drasticamente reduzida rio abaixo à barragem principal, perfazendo cerca de ¾ da Volta Grande. Quando se fala do cálculo e da descrição das conseqüências ambientais, seria mais honesto contabilizar uma área de 1.522 km2, que é a área considerada pelo EIA como área diretamente afetada (ADA), e não apenas os cerca de 516 km² dos reservatórios.



Além disso, o processo de condução de implantação do empreendimento vem apresentando uma série de irregularidades no respeito à legislação brasileira. Além da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas reconhecem direitos das populações tradicionais e determinam a obrigatoriedade de consulta dos povos indígenas acerca de qualquer medida que possa afetá-los. Mesmo assim, o Estudo de Inventário Hidrelétrico do Rio Xingu foi aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sem a devida consulta aos povos indígenas. Em carta assinada por representantes de diversas aldeias em 19 de junho, os Kayapó manifestaram seu repúdio à obra. O governo passará por cima dessas considerações?



Os estudos de impacto ambiental foram recentemente homologados no Ibama e aceitos oficialmente, apesar do reconhecimento dos técnicos do órgão de que estavam incompletos. Isso foi motivo de dois processos do MPF: o primeiro em 27 de maio de 2009, pedindo a suspensão do prazo para realização de audiências públicas, tendo sido deferido pela Justiça Federal do Pará, e o segundo em 22 de junho de 2009, por improbidade administrativa pelo ilegal aceite do EIA/RIMA pelo Ibama. Só agora a sociedade civil está começando a ter contato com os 36 volumes com mais de 20.000 páginas de estudos produzidos pelos empreendedores. Deve haver amplo diálogo antes de se tomar uma importante decisão cujo impacto afetaria a vida de tantas pessoas, muitas delas populações indígenas e extrativistas.



É importante ressaltar que existem alternativas concretas ao projeto, economicamente viáveis, a exemplo do leilão de concessão de exploração de energia eólica a ser realizado em novembro pela Aneel. O conjunto de empreendimentos terá capacidade instalada de 13.000 MW, maior que a própria AHE Belo Monte;



A decisão de construção de uma obra desse porte, numa Bacia como a do Rio Xingu, com sociobiodiversidade única no planeta, não pode ser tomada de qualquer jeito, atropelando a população, os costumes locais, a sabedoria dos povos das florestas, atropelando o próprio processo de licenciamento previsto em Lei. Diferentemente do que foi feito no rio Madeira, os povos do Rio Xingu não se subordinarão à decisão sobre a construção da UHE de Belo Monte.

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3688/9/

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