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Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

quarta-feira, 29 de julho de 2009

reflexão para a luta libertária

"Ninguém se liberta sozinho, ninguém liberta ninguém, a gente só se liberta em comunhão"

Paulo Freire

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Os limites e as possibilidades da autogestão no capitalismo

Elcio Gustavo Benini, UFMS

Edi Augusto Benini, UFT




OBS> texto em elaboração, agradeçemos críticas e/ou sugestões!


1. Introdução

As organizações coletivas dos trabalhadores com finalidades sócio-econômicas vêm ganhando cada vez mais espaço na atual conjuntura. Trata-se, numa primeira abordagem, de uma forma de organização da produção, que tem como objetivo imediato a geração de trabalho e renda. Em tese, a sua característica fundamental seria a organização do trabalho sem a presença de um proprietário, ou seja, os trabalhadores, nesta lógica, seriam os donos dos meios de produção que utilizam.
A partir dessa primeira explicação uma série de discussões vem sendo desencadeada. Alguns autores, do qual se destaca Singer (2003), conceitua o movimento dos trabalhadores coletivos como sendo uma espécie de economia solidária, que para esse mesmo autor, seria um modo de produção e distribuição alternativo ao modo de produção capitalista.
É importante destacar que, sendo os trabalhadores donos dos meios de produção, uma série de mudanças ocorre no ambiente de trabalho e, de forma geral, nas atividades cotidianas desses trabalhadores. Entre elas, a que se destaca aqui é a gestão do empreendimento, que também deve ser exercida pelos próprios trabalhadores.
É a partir dessa nova atividade desenvolvida pelos trabalhadores, ou seja, de serem trabalhadores e ao mesmo tempo “patrões de si próprios”, que esses empreendimentos são qualificados como autogestionários, ou ainda, como empreendimentos solidários.
Sem dúvida que a organização de tais empreendimentos, ainda que em sua forma mais utópica, ou seja, em seu funcionamento ideal – sem os conflitos naturais derivados pela nova divisão do trabalho e pela disputa pelo poder interno, assim como as divisões materiais – inserida na totalidade capitalista é uma contradição a priori.
Afinal de contas, a principal característica do capitalismo é a reificação do trabalho, ou seja, de um lado têm-se os proprietários dos meios de produção, que compram força de trabalho, e de outro os trabalhadores, que são obrigados a vender sua força de trabalho.
Mas será que esses empreendimentos autogestionários são realmente uma contradição? Se sim, que tipo de contradição é essa? Ou ainda, a partir dessa condição objetiva, pode-se falar em algum tipo de impacto de cunho subjetivo? Antes de responder a tais considerações, é preciso fazer uma leitura sobre o atual contexto e as forças predominantes, tirar o véu que embaça a visão e buscar as verdadeiras essências que estão em movimento.

2. A precarização do trabalho e a autogestão: uma resposta necessária

Não é preciso muitos argumentos, quando se tem como referência a totalidade concreta, para afirmar que o modo de produção capitalista não está passando por uma crise conjuntural, ou seja, por mais uma forte “tempestade”, mas sim que sua contradição insuperável, entre valor de uso e valor de troca, leva cada vez mais a um estado de crise constante e estrutural. O horizonte de bonança parece estar cada vez mais distante, ou ainda, a possibilidade de continuação do capitalismo parece ser cada vez mais a verdadeira miragem em meio a um deserto de opções.
Nesse contexto, as mudanças no mundo do trabalho são cada vez mais freqüentes e perceptíveis. Sem dúvida o paradigma da precarização do trabalho assombra a classe trabalhadora, ocorrendo as mais variadas reações. Se no contexto do pós-guerra, a solidariedade entre os trabalhadores foi expressa pelos direitos sociais e pleno emprego, agora, tendo em vista as novas estratégias de reestruturação produtiva, um outro tipo de solidariedade é desencadeada: a organização coletiva de cunho sócio-econômico – assumida em grande parte na forma institucionalizada de cooperativas e associações. Trata-se de uma organização que surge como uma das reações determinadas e/ou encontradas pelos trabalhadores frente aos novos imperativos do processo de acumulação capitalista.
Mas por que ela é determinada? Justamente porque a força que a coloca em movimento é uma determinação material, ou seja, uma necessidade material. Nesse sentido, a própria crise estrutural do trabalho é a força que coloca em movimento os trabalhadores coletivos. Contudo, é importante fazer uma leitura mais atenta sobre este fato, e para isso, tentar responder a duas perguntas: Os empreendimentos coletivos dos trabalhadores são de cunho revolucionário, ou seja, trazem em seu cerne uma perspectiva de uma mudança para além do capital? Ou são reacionários e, nesse sentido, são apenas mais uma adaptação do modo de produção capitalista que por estar em crise, busca combinar outros elementos na sua relação fundamental entre capital e trabalho? Além dessas duas questões, já consideravelmente discutidas em alguns debates sobre a economia solidária, cabe uma terceira pergunta: Em que condições uma ou outra lógica de organização social torna-se hegemônica?
Nem tanto o mar, nem tanto a terra. É certo que para manter sua taxa de apropriação de mais-trabalho, que vem sendo decrescente em vista dos avanços tecnológicos poupadores de força de trabalho, o capital, em sua necessidade infindável de valorização do valor, busca formas flexíveis em sua composição, sendo o trabalho o elemento fundamental.
Assim, os empreendimentos autogestionários, uma vez inseridos no capitalismo, constituem um dos “fôlegos” para o sistema, e isso pode ser visto de duas formas: servem como uma organização funcional ao sistema e/ou as cadeias produtivas, sendo utilizados e/ou subcontratados pelas empresas convencionais e; sufocam uma parte do movimento dos trabalhadores, que inseridos em sua luta pontual, deixam de ser “solidários” com o restante da classe trabalhadora.
Partindo disso, a própria qualidade da autogestão pode ser questionada e qualificada de forma restrita, uma espécie de autogestão stricto senso, uma vez que a atividade é diretamente influenciada pelas demandas externas do empreendimento. Para entender melhor esse ponto, as considerações de Rosa Luxemburgo são de suma importância.

3. O dilema de Rosa Luxemburgo: “a troca domina a produção”.

As críticas de Rosa Luxemburgo são muito mais ricas e complexas do que aqui apresentadas. Contudo, dado os objetivos deste trabalho, remete-se diretamente à visão da autora quanto ao papel das cooperativas enquanto organização coletiva e econômica dos trabalhadores e as mudanças qualitativas que podem promover, uma vez que elas estão ligadas às origens da economia solidária.
Quanto às cooperativas, e antes de tudo, às cooperativas de produção, são elas pela sua essência um ser híbrido dentro da economia, capitalista: a pequena produção socializada dentro de uma troca capitalista. Mas, na economia capitalista, a troca domina a produção, fazendo da exploração impiedosa, isto é, da completa dominação do processo de produção pelos interesses do Capital, em face da concorrência, uma condição de existência da empresa. Praticamente, exprime-se isso pela necessidade de intensificar o trabalho o mais possível, de reduzir ou prolongar as horas de trabalho conforme a situação do mercado, de empregar a força de trabalho segundo as necessidades do mercado ou de atirá-la na rua, em suma, de praticar todos os métodos muito conhecidos que permitem a uma empresa capitalista enfrentar a concorrência das outras. Resulta daí, por conseguinte, para a cooperativa de produção, ver-se os operários na necessidade contraditória de governar-se a si mesmo com todo o absolutismo necessário e desempenhar entre eles o mesmo papel do patrão capitalista. Ë desta contradição que morre a cooperativa de produção, quer pela volta à empresa capitalista, quer, no caso de serem mais fortes os interesses dos operários, pela dissolução. (LUXEMBURGO, 2005, p.80-81, grifos nossos).
Diante da contradição apontada na citação acima é que surge o dilema do cooperativismo, que as cooperativas ou são frustradas economicamente ao manter a ideologia fundadora, ou, ao crescerem como empresas, perdem suas características iniciais, caracterizando um cooperativismo do tipo burocrático, ou seja, que não é orientado pela perspectiva de autogestão dos trabalhadores a rigor.
Assim, estando a cooperativa – no caso, autêntica e “autogestionária” – ligada ao mercado capitalista, tendo que concorrer e produzir de acordo com as exigências do mercado, o próprio princípio da “autogestão” acaba sendo limitado e constrangido, pois a organização da produção, assim como a amplitude da tomada de decisão ou, em essência, o poder dos trabalhadores, que se vêem na contradição de governarem a si mesmos como capitalistas – tomando as mesmas atitudes, grosso modo, “usando o chicote em si mesmos” – para conseguir competir no mercado, acaba introduzindo tecnologias e padrões de organização e gestão tipicamente burocráticos.
Nesse sentido, a “autogestão” fica comprometida por ser apenas restrita – autogestão stricto sensu –, tendo os trabalhadores que se “adaptarem” às condições do mercado, ao padrão produtivo e mercadológico, às tecnologias dominantes que, não atuam neutramente, mas como instrumentos de dominação do trabalhador.
Assim, as cooperativas – no caso, as autênticas ou “autogestionárias” – isoladas, ou empreendimentos de economia solidária – que em essência são a mesma coisa –, por apenas atuarem inseridos no sistema capitalista e não “contra” e/ou “como sistema” enquanto totalidade, não conseguem avançar ou romper com o dilema colocado por Rosa Luxemburgo (2005).
A solução para o dilema “a troca domina a produção” colocado por Rosa Luxemburgo (2005), se encontraria na junção de diversas cooperativas, das mais diversas áreas, dando origem a uma espécie de rede cooperativa ou solidária, como defende Euclides Mance (2003), por exemplo.
Dessa forma, as cooperativas de produção resolveriam o seu dilema ao encontrarem um mercado isolado da competição capitalista nas cooperativas de consumo, que seriam responsáveis por articular as diversas produções, formando assim cadeias produtivas solidárias. Conforme coloca Mance:
Outras redes mais complexas, entretanto, que integram organizações solidárias de crédito, consumo, produção, comércio e serviços, passaram a refletir sobre as melhores estratégias de expansão e consolidação dessas redes, chegando-se a percepção da necessidade de remontar solidariamente as cadeias produtivas. Essa progressiva remontagem possibilita à economia solidária converter-se paulatinamente no modo de produção socialmente hegemônico e não apenas em uma esfera de atividade econômica de segunda ordem, paliativa ou complementar, destinada apenas a atender populações pobres ou marginalizadas pelos movimentos dos capitais (MANCE, 2003, p. 26).
A questão que se coloca diante desta saída consiste na limitação das cooperativas de consumo. De acordo Luxemburgo (2005), a dependência da cooperativa de produção à cooperativa de consumo estaria limitada a um mercado local e restrito, o que implicaria em:
Todos os ramos mais importantes da produção capitalista: indústria têxtil, mineira, metalúrgica, petrolífera, como a indústria de construção de máquinas locomotivas e navios, estão de antemão excluídos da cooperativa de consumo e, por conseguinte das cooperativas de produção. Eis porque, sem em conta o seu caráter híbrido, as cooperativas de produção não podem ser consideradas uma reforma social geral, pela simples razão de pressupor a sua realização geral, antes de tudo, a supressão do mercado mundial e a dissolução da economia mundial atual em pequenos grupos locais de produção de troca, constituindo no fundo, por conseguinte, o retrocesso da economia do grande capitalismo a economia mercantil da Idade Média (LUXEMBURGO, 2005, p. 82-83).
Até mesmo entre os intelectuais da economia solidária, a saída para o isolamento em redes não é unanimidade. Para Singer (2002) o isolamento poderia acomodar os empreendimentos solidários em uma situação de inferioridade tecnológica:
Então a forma mais provável de crescimento da economia solidária será continuar integrando mercados em que compete tanto com empresas capitalistas como com outros modos de produção, do próprio país e de outros países (SINGER, 2002, p.120).
Em defesa da economia solidária, em seu artigo Economia Solidária: um modo de produção e distribuição, Paul Singer (2003) apresenta o dilema colocado por Rosa Luxemburgo (2005) “a troca domina a produção” aqui apresentado e responde:
A argumentação de Rosa Luxemburgo é mais antagônica à gestão capitalista, mas não é consistente. Ela desconhece ou despreza a resistência que os trabalhadores oferecem ao absolutismo do capital e que limita as arbitrariedades que este tenta praticar. Já na época em que ela escrevia (1899), os trabalhadores estavam organizados nas fábricas e tinham capacidade de se opor à intensificação do trabalho e a alterações unilaterais da jornada de trabalho (SINGER, 2003, p. 17).
Singer (2003) considera, então, que a resistência dos operários impediria o capital de superexplorar o trabalho, uma vez organizados em empreendimentos coletivos econômicos. A argumentação de Singer (2003) continua:
Se as condições de trabalho na fábrica eram duras, elas sempre seriam menos duras na cooperativa por duas razões fundamentais: na fábrica capitalista os empregados têm de produzir lucros proporcionais ao capital investido, obrigação que os cooperados não têm, o que lhes permite se auto-explorar menos; além disso, os cooperados têm a liberdade de escolher quando e como trabalhar para tornar sua empresa competitiva, ao passo que os trabalhadores assalariados têm de obedecer a determinações da direção (SINGER, 2003, p.17).
Daí surge a liberdade dos cooperados, a opção de se auto-explorarem ou não, ou como afirma Singer, a possibilidade de se auto-explorarem menos. Os cooperados realmente não possuem obrigação de gerarem retorno ao “capital" investido. Possuem, contudo, necessidade de gerarem retorno não só para seu sustento, como para a viabilidade do próprio negócio.
Neste caso, a liberdade consiste em desenvolver o empreendimento e aumentarem sua renda à custa de forte auto-exploração, ou se auto-explorarem menos e, em contrapartida, terem um retorno menor ou nulo. Dando seqüência em seu argumento, Singer ainda questiona quais seriam as alternativas aos trabalhadores se não a economia solidária:
Ficarem desempregados, eventualmente sobreviverem de bicos ou voltarem a trabalhar para capitalistas. Em condições evidentemente piores do que as da auto-exploração (SINGER, 2003, p.17).
Assim, conclui que, como grande parte das cooperativas são originadas a partir de empresas capitalistas falidas, de forma que os trabalhadores associados conhecem as condições de trabalho que o mercado impõe. “Não é crível que passem a considerá-las insuportáveis quando se tornam os donos de seus meios de produção” (SINGER, 2003, p.18).
Singer (2003) ainda se defende e ataca Rosa Luxemburgo em defesa da economia solidária, colocando que “é comum ouvir que economia solidária apenas compete com o capital, mas não o elimina” e conclui sobre este argumento:
A conclusão é falsa sob todos os pontos de vista. Primeiro porque o capital só pode ser eliminado quando os trabalhadores estiverem aptos a trabalhar a autogestão, o que exige um aprendizado que só a prática proporciona. De outro modo, o que colocar no lugar da gestão capitalista? Certamente não um planejamento geral que centraliza todas as decisões econômicas nas mãos dum pequeno número de especialistas. Segundo, porque a economia solidária melhora para o cooperado as condições de trabalho, mesmo quando essas continuam ainda deixando muito a desejar. Afinal de contas, assumir o poder de participar das decisões e, portanto, estar informado a respeito do que acontece e que opções existem é um passo importante na rendição humana do trabalhador. Terceiro: o surgimento e o fortalecimento da economia solidária reforça o poder de luta de todos os trabalhadores assalariados contra a exploração capitalista, no mínimo porque diminui o exército de reserva (SINGER, 2003, p. 18).
Ainda no mesmo texto, Singer (2003), em nota de rodapé, coloca com clareza que, em sua visão, não se trata de apenas uma alternativa ao desemprego, mas uma alternativa ao próprio sistema, sendo o processo de economia solidária uma forma de transição do modo de produção capitalista ao socialismo autogestionário.
Este é provavelmente o principal papel da economia solidária na luta pelo socialismo. A autogestão generalizada da economia e da sociedade – que constituiu a essência do programa econômico e político do socialismo – só conquistará credibilidade quando houver a prova palpável de que ela não é inferior à gestão capitalista no desenvolvimento das forças produtivas. A construção de empreendimentos solidários é o método mais racional de obter tal prova. A alternativa seria apostar na crise geral do capitalismo, que forçaria a maioria a aceitar o socialismo, mesmo que seja como mal menor (SINGER, 2003, p. 28).
Não obstante os limites e imperativos econômicos e a contradição que se movem aos empreendimentos coletivos sócio-econômicos, uma vez sendo os trabalhadores donos dos meios de produção de determinadas unidades produtivas, donos dos produtos que produzem e os responsáveis pela organização e gestão dos empreendimentos, uma nova realidade cotidiana é desencadeada para os trabalhadores. Para refletir sobre esses aspectos e essa realidade, que condiciona e transforma, ou ainda, sobre a influência das condições objetivas sobre os aspectos subjetivos, faz-se necessário entender os aspectos fundamentais da tese dominante, ou seja, a alienação do trabalho.

4. Autogestão e alienação: a busca pela emancipação.

Para compreender o conceito de alienação e suas conseqüências para a classe trabalhadora, é necessário antes de tudo compreender o trabalho com uma dupla possibilidade: enquanto atividade produtiva emancipatória ou enquanto atividade produtiva alienada e/ou estranhada.
Outra consideração que precisa ser feita é que a análise aqui presente, no que diz respeito à alienação, se dá em determinadas condições históricas. Precisamente por ser o capitalismo o atual modo de produção predominante, é que se considera aqui essa base material como ponto de partida para as devidas reflexões sobre a alienação do trabalhador.
Também se faz necessário considerar que a atividade produtiva é um fator sem a qual a existência humana não seria possível. Conforme coloca Mészáros (2006, p. 78), “o modo de existência humano é inconcebível sem as transformações humanas realizadas pela atividade produtiva”. Nesse sentido, a atividade produtiva é o “mediador na relação sujeito-objeto entre homem e natureza” (MÉSZÁROS, 2006, p. 78).
“O trabalho é a propriedade ativa do homem” (MARX apud MÉSZÁROS, 2006, p. 144), sendo o produto do trabalho a objetivação do homem. Quando livre, o trabalho possibilita ao ser humano – um ser então objetivo –, manifestar-se e contemplar-se a “si mesmo num mundo criado por ele, objetivado, e não somente no seu pensamento” (MÉSZÁROS, 2006, p. 144).
Assim, uma vez considerado que o trabalho – enquanto atividade produtiva – é a mediação fundamental entre o homem e a natureza, a partir do momento em que o trabalho se torna uma mercadoria, surgem mediações de segundo grau, como a propriedade privada, a divisão do trabalho e o intercâmbio, sendo que essas mediações de segundo grau o “impedem de se realizar em seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriação humana dos produtos de sua atividade” (MÉSZÁROS, 2006, p. 78, grifos nossos).
É necessário antes de admitir a existência das mediações de segundo grau, admitir a existência da “liberdade” para o trabalhador. Eles eram livres desde que “escolhessem livremente celebrar o contrato em questão, alienando voluntariamente aquilo que lhes pertencia” (MÉSZÁROS, 2006, p. 38). Nesse sentido, a alienação humana transforma todas as coisas em:
(...) objetos alienáveis, vendáveis, em servos da necessidade e do tráfico egoístas. A venda é a prática da alienação. Assim, como o homem, enquanto estiver mergulhado na religião, só pode objetivar sua existência em um ser alheio e fantástico; assim também, sob o influxo da necessidade egoísta, ele só pode afirmar-se a si mesmo e produzir objetos na prática subordinando seus produtos e sua própria atividade à dominação de uma entidade alheia, atribuindo-lhes a significação de uma entidade alheia, ou seja, o dinheiro (MARX apud MÉSZÁROS, 2006, p. 39).
Dessa forma, a propriedade privada, uma espécie de “mediação da mediação” é um meio de alienação, uma vez que condiciona o trabalhador e sua potencialidade a funções estritamente determinadas pela lógica da acumulação, pela expropriação de mais-trabalho, pela vontade do comprador da força de trabalho, o que o impede de se realizar em sua atividade. .
O que pode ser observado nas colocações acima é que a alienação é composta de aspectos políticos, sendo que as relações de propriedade são conditio sine quo non para que o aspecto econômico possa operar. Conforme Mészáros (2006, p. 138), “a apropriação e a redistribuição” pressupõe uma relação politicamente fixa entre “produção e apropriação”.
Para entender o conceito de alienação e seus aspectos tanto políticos quanto econômicos, parte-se aqui das quatro principais dimensões colocadas por Marx[1] (2004), a saber: a alienação do homem em relação à natureza; a alienação de sua própria atividade produtiva; a alienação de seu ser como membro de sua espécie – de seu ser “genérico” e; a alienação do homem em relação aos outros homens.
A primeira das dimensões colocadas, diz respeito à relação entre o trabalhador e o objeto fruto de sua atividade produtiva, o produto de seu trabalho. Nesse sentido, na produção capitalista, a objetivação do trabalho:
(...) tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é desposado dos objetos mais necessários não somente à vida, mas também dos objetos do trabalho. Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital (MARX, 2004, p. 80).
Dessa forma, o trabalhador ao se relacionar com o produto de seu trabalho, este lhe aparece como “um objeto estranho”, “uma existência externa”, que se defronta com uma “potência autônoma diante dele” (MARX, 2004, p. 80).
Não obstante, o estranhamento não se dá apenas na relação entre o sujeito-objeto, no resultado da atividade produtiva, mas também, “e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva” (MARX, 2004, p. 82).
Dito de outra forma, na relação do trabalhador no interior do processo, na sua relação com sua própria atividade, como uma atividade “alheia que não lhe oferece satisfação por si e em si mesma, mas apenas pelo ato de vendê-la a outra pessoa” (MÉSZÁROS, 2006, p. 20).
Nesse sentido, não é a atividade em si que lhe proporciona satisfação, mas uma “propriedade abstrata dela: a possibilidade de vendê-la em certas condições” (MÉZÁROS, 2006, p. 20). O trabalho se torna apenas um meio de existência, para satisfazer carências fora dele. Conforme Marx (2004):
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si (quando) fora do trabalho e fora de si (quando) no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. (...) O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade aparece para o trabalhador como se (o trabalho) não o pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo (MARX, 2004, p. 83).
Conhecida às duas primeiras dimensões da alienação, que Marx (apud MÉSZÁROS, p. 20) chama de “estranhamento da coisa” e a segunda de “auto-estranhamento”, pode-se então entender as outras duas, que são conseqüências das duas primeiras já citadas, quais sejam: a alienação de seu ser como membro de sua espécie – de seu ser “genérico” e; a alienação do homem em relação aos outros homens – na sua sociabilidade.
A terceira dimensão da alienação do ser humano, por meio do trabalho estranhado, faz “do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio de sua existência individual” (MARX, 2004, p. 84, grifos meus). Em outras palavras, quando a atividade livre do homem é reduzida a apenas um meio, “ele faz da vida genérica do homem um meio de sua existência física" (MARX, 2004, p. 84). Nas palavras de Mészáros:
O terceiro aspecto – a alienação do homem com relação ao seu genérico – está relacionado com a concepção segundo a qual o objeto do trabalho é a objetivação da vida da espécie humana, pois o homem se duplica não apenas na consciência, intelectual (mente), mas operativa, efetiva (mente), contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele (MÉSZÁROS, 2006, p. 20).
Com efeito, ao colocar o indivíduo em primeira instância em relação à humanidade, de forma imediata, a própria consciência de ser um “sujeito histórico” é perdida, e a capacidade de “fazer história” é negada, uma vez que a contradição entre indivíduo e humanidade acaba levando à aparente idéia de que a história já está construída e, desta forma, é limitada aos indivíduos. Isso:
(...) traz a dissecação e a completa eliminação cética do sujeito histórico, com conseqüências devastadoras para as teorias que podem ser construídas no interior desses horizontes. Pois, uma vez que o sujeito histórico é lançado ao mar, não apenas a possibilidade de fazer, mas também de entender a história deve sofrer o mesmo destino, (...). (MÉSZÁROS, 2007, p. 47).
Enquanto Marx levou em consideração a relação do “homem com a humanidade em geral[2]” para formular a terceira característica da alienação (MÉSZÁROS, 2006, p. 2), não obstante, no quarto aspecto, da “relação do homem com os outros homens”, ele agora “está considerando tendo em vista a relação do homem com os outros homens” (MÉSZÁROS, 2006, p. 2). Conforme Marx:
Uma conseqüência imediata disto, de o homem estar estranhado do produto do seu trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem pelo (próprio) homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com seu trabalho, produto do seu trabalho e consigo mesmo, vale em relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do trabalho de outro homem (MARX, 2004, p. 85-86).
Assim, o conceito de alienação em Marx expressa a relação do homem com a natureza, com os objetos de seu trabalho – na separação entre o trabalhador e seu objeto e consigo mesmo – na própria atividade produtiva –, de um lado, e “as relações desse processo na relação entre o homem-humanidade e homem e homem, de outro” (MÉSZÁROS, 2006, p. 21).
Tal processo também foi descrito por Dejours (1999) como a “banalização da injustiça social”, que, grosso modo, explica o mecanismo no qual o homem, alienado no seu trabalho, sublima tal sofrimento, e uma vez que “neutraliza” o seu próprio sofrimento, isso vai implicar na neutralidade de perceber o sofrimento do outro, nessa relação de sociabilidade homem-homem.
Não obstante os apontamentos de Marx (2004) sobre a alienação e suas dimensões, e de nenhuma forma o presente trabalho ter como propósito colocar – ou idealizar – o “caminho da emancipação”, mas, outrossim, apenas suscitar algumas reflexões sobre a economia solidária e a questão da emancipação, a questão do grupo parece ser ponto de reflexão para o autor no rumo da emancipação. Assim:
Quando os artesãos comunistas se unem, vale para eles, antes de mais nada, como finalidade a doutrina, propaganda etc. Mas ao mesmo tempo eles se apropriam, dessa maneira, de uma nova carência, a carência da sociedade, e o que aparece como meio, tornou-se fim. Este movimento prático pode-se intuir nos seus mais brilhantes resultados quando se vê operários (ouvriers) socialistas franceses reunidos. Nessas circunstancias, fumar, beber, comer, etc., não existem mais como meios de união ou como meios que unem. A sociedade, a associação, o entretenimento, que novamente têm a sociedade com fim, basta a eles; a fraternidade dos homens não é nenhuma frase, mas sim a verdade para eles, e a nobreza da humanidade nos ilumina a partir dessas figuras endurecidas pelo trabalho (MARX, 2004, p. 146, grifos nossos).
5. Organização social e propriedade: qual a autogestão da “economia solidária”?

A proposta de “economia solidária” está diretamente relacionada com o movimento cooperativista, ora sendo confundida com ele, ora sendo considerada apenas uma atualização do mesmo para um novo contexto histórico (chega-se a falar em ressurgimento do cooperativismo sob o nome “economia solidária”), mas também no sentido de ser algo maior que o próprio cooperativismo, abrangendo outros elementos, como o associativismo, clubes de trocas, moedas sociais, entre outros.
O fato é que a lógica da “autogestão”, apresentada reiteradamente como elemento essencial do projeto de “economia solidária”, é expressa principalmente nas cooperativas, logo, vamos analisar essa “autogestão” no contexto da “economia solidária” e nas práticas cooperativistas.
Um ponto importante que precisamos considerar é que, por um lado temos o projeto utópico do cooperativismo, claramente autogestionário. Entretanto, outra coisa distinta são os meios institucionais e organizacionais escolhidos para concretizar este projeto.
Advogamos que entender tal distinção ajuda a sair do beco sem saída que a economia solidária hoje se encontra: funcionalidade ou espaço de resistência ao capital.
Normalmente um dos principais argumentos em defesa do cooperativismo, e da própria economia solidária, seria seu caráter distinto de uma empresa capitalista convencional, justificado por ser uma organização baseada no trabalho e não no capital. Entretanto, em que pese tal principio, outra coisa é a criação dos meios institucionais que o concretize, e como nos ensina Guerreiro Ramos, no “mundo existe mais de possível do que de efetivo”, com isso, nossa postura vai ao sentido de analisar os componentes e elementos constitutivos do cooperativismo, não como estruturas inerentes a esta lógica utópica (o projeto), mas sim como opções dadas historicamente, opções estas que nem sempre podem refletir os seus princípios ideológicos.
Nesse horizonte, quando observamos mais atentamente tais elementos constitutivos, percebe-se que além do discurso “cada cabeça, um voto”, temos um sistema patrimonial de cotas, um sistema produtivo fragmentado e hierárquico, um sistema distributivo de mercado e um sistema de gestão com alguns mecanismos de participação.
Não é nosso objetivo, no espaço desta comunicação, discorrer detalhadamente sobre cada um desses elementos, mas, outrossim, ressaltar os motivos que o cooperativismo, ao mesmo tempo que afeta uma das quatro dimensões da alienação, não conseguiu, até o momento, avançar além disso.
Enquanto que a prática de autogestão, a rigor, apenas acontece da gestão especifica de unidades de produção, e ainda assim muito limitada (não se desenvolveu outros mecanismos além das assembléias) e restrita (muitas cooperativas se dividem entre sócios “votantes” e trabalhadores subordinados), quanto ao aspecto produtivo como um todo (propriedade, distribuição, organização), são empresas capitalistas como outras quaisquer, baseadas na propriedade privada (amenizada pelo sistema de cotas vinculado ao trabalho), na fragmentação produtiva (cada cooperativa ou unidade de produção é isolada, ou seja, elas competem entre si, não constituindo um sistema orgânico ou algum tipo de coordenação integrada), e a sua distribuição é realizada dentro da lógica do capital (o determinante é o valor de troca das mercadorias).
Dessa forma, o movimento cooperativismo como um todo se estrutura por meio de mecanismos de lógica predominante do capital e não, a rigor, por um conjunto de princípios e práticas autogestionárias.

6. Considerações Finais

A luta cooperativista focou na gestão coletiva, uma suposta autogestão, porém, não buscou abolir a propriedade privada dos meios de produção e, com ela, a lógica da lei do valor. Logo, tal movimento resultou numa autogestão restrita a múltiplos e desconexos grupos de produção (organizados em forma de cooperativas), o que é, por definição, uma pseudo-autogestão. Cada um desses grupos produtivos é estruturado por meios de cotas de propriedade, na crença de que isso significaria subordinação do capital ao trabalho, quando é justamente a propriedade privada da produção, como um todo, o mecanismo essencial de subordinação do trabalho. Em suma, a forma constituída pelo movimento cooperativista cada vez mais revela-se de natureza burocrática e heterogestionária ante a utopia de emancipação do trabalho.
Apesar de todo o discurso de integração por meio de redes e moedas sociais, a atual proposta de economia solidária apenas veio, até o momento, a se pautar pelos mesmos elementos do cooperativismo tradicional, inclusive, descartando, no discurso dos seus intérpretes, quaisquer proposta de planificação ou integração econômica e contestação da lógica patrimonial e dissociada das cooperativas.
Com isso, pode-se arriscar dizer que a economia solidária carece, gravemente, de um projeto político, projeto este estruturado pela combinação de uma ofensiva socialista contra a propriedade privada, por meio da criação de um organismo econômico integrado e sistêmico (um tipo avançado de socialização da riqueza), com uma forma de gestão pública ou social de natureza anti-burocrática. Em suma, advogamos que o projeto utópico da autogestão está constrangido, no contexto da economia solidária, por falta de um projeto político correspondente.
Esse projeto político precisa ser entendido como uma possibilidade histórica, uma vez que o movimento concreto das “tentativas” de autogestão vem a evidenciar, ao conjunto dos trabalhadores envolvidos, os mecanismos de subordinação do capital, e com isso, meios de superar os mesmos.
Caso os chamados “empreendimentos solidários” tenham como conseqüência, no bojo das suas contradições, a constituição de uma consciência coletiva crítica, capaz de reconhecer os limites estruturais do capital e os mecanismos de dominação da lei do valor, em outras palavras, tenha de fato superado um dos aspectos da alienação, pode-se constituir uma nova base histórica para outros enfrentamentos.

Referências Bibliográficas
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VENOSA, R (org.). Participação e participações: ensaios sobre autogestão. Babel Cultural: São Paulo, 1987.

[1] A principal obra na qual se parte aqui as reflexões sobre alienação é uma das obras da juventude de Marx, conhecida como Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, ou simplesmente por Manuscritos de Paris. Conforme coloca Mészáros, trata-se “inquestionavelmente, da obra filosófica mais discutida no século XX” (MÉSZÁROS, 2006, p. 17).
[2] “Isto é, a alienação da “condição humana” no curso de seu rebaixamento por meio de processos capitalistas” (MÉSZÁROS, 2006, p. 2).

A mão e a língua: uma discussão sobre a (não)centralidade do trabalho no materialismo histórico

A mão e a língua: uma discussão sobre a (não)centralidade do trabalho no materialismo histórico[1].

Elcio Gustavo Benini.

Resumo.

O presente trabalho tem como objetivo central lançar mão de algumas reflexões sobre a (não)centralidade do trabalho no método fundado por Karl Marx: o materialismo histórico e dialético. Com essa proposta de trabalho, discute-se aqui a determinação social do aludido método, seu caráter ideológico, seu modus operandi, assim como a negação da centralidade do trabalho e suas conseqüências epistemológicas. Na busca das respostas às questões levantadas, a tentativa foi de apropriar-se o máximo possível dos textos clássicos sobre o tema abordado, buscando-se assim uma linha argumentativa clara e conceitual. Como resultado reflexivo aqui alcançado, tem-se que o trabalho ainda é uma categoria central para se entender o movimento histórico, e sua negação abre a possibilidade de se negar a luta de classe como motor da história, assim como a auto-atividade como condição sine qua non de emancipação social.

Palavras chaves: Materialismo histórico, centralidade do trabalho, emancipação social.


Introdução.

A discussão sobre a centralidade do trabalho, lato senso, já vem sendo realizada por vários autores no Brasil, dos quais se destacam Antunes (1999), Montaño (2003) e Organicista (2006). Contudo, a questão da centralidade do trabalho em relação ao método, principalmente no que diz respeito ao seu modus operandi, aparenta não ser objeto específico de suas investigações, ocasionando assim um não esgotamento do assunto em termos de pesquisa e estudo[2].
Tendo em vista a aludida lacuna em relação ao método, a discussão aqui lançada busca responder as seguintes questões: qual é a importância do trabalho no método do materialismo histórico e dialético? Até que ponto o aludido método e suas categorias são suficientes para compreender e fazer aproximações da realidade concreta? Qual é a relação do método com a ideologia? E, por fim, quais são as principais conseqüências epistemológicas ao se descentralizar a categoria trabalho?
O presente trabalho buscou realizar o máximo de rigor metodológico que a condição espiritual do presente autor possibilitou, utilizando-se, sempre que possível, dos textos clássicos e das principais obras dos autores discutidos. Nesse sentido, a investigação realizada buscou uma sintonia com as seguintes diretrizes colocadas por Kosik (1796):
1) minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis; 2) análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material; 3) investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento. (Kosik, 1976, p. 31).
Feito as questões centrais e traçado o caminho percorrido, a exposição construída neste artigo buscou uma estrutura lógica que começa com uma discussão sobre o modus operandi do materialismo histórico e dialético em Marx, alguns apontamentos sobre a relação entre método, ciência e ideologia, uma discussão sobre a descentralidade e a dialética do trabalho e, por fim, um breve ensaio sobre as limitações históricas do método e suas categorias analíticas.
Em suma, tendo em vista que as questões levantadas não são de fáceis respostas, e que o terreno aqui percorrido pode levar a caminhos distintos e irreconciliáveis, o leitor do presente trabalho irá se deparar muito mais com questões do que com respostas, não obstante essas questões tenham sido produzidas justamente na tentativa de construir aquelas respostas.

1. O materialismo histórico e dialético e seu modus operandi.

De forma geral, cumpre-se um papel importante aqui dizer que o materialismo histórico e dialético enquanto método foi determinado por uma necessidade histórica resultante das contradições do modo de produção capitalista e da sociedade burguesa.
Tendo em vista as contradições entre capital e trabalho que o aludido sistema sociometabólico reproduzia, fez-se necessário uma forma de apreender a realidade de forma crítica, que buscasse as determinações históricas das relações sociais dadas e desmentisse as ideologias metafísicas dominantes, que de forma geral, eternizavam a relação de classes entre dominados e dominantes – onde cada camada tinha o seu lugar no grande organismo social.
É nesse contexto que surge Karl Marx, cuja produção teórica e atividade política iriam mudar de forma significativa a forma de enxergar a realidade. E no meio de todas as suas contribuições teóricas – das quais a grande maioria se mantém viva como nunca –, deixa um legado de suma importância para a classe dos trabalhadores, a saber, o método científico.
Por se tratar de uma forma de abordar a realidade que a considera em constante mutação – uma continuidade na descontinuidade e descontinuidade na continuidade –, um processo ininterrupto de afirmação, negação e negação da negação, de luta de elementos antagônicos, o método do materialismo histórico, por buscar nas raízes as determinações das injustiças sociais, tem clara pretensão política, qual seja: negar a existência negada do trabalho, supra-sumindo a própria sociedade de classes.
Mas como traduzir o exposto acima em termos teórico-metodológico, ou seja, pensar o movimento histórico como um constante devir e morrer, assim como realidade não como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos? E mais importante ainda, não tendo como parâmetro a idéia – como fez Hegel, que será discutido adiante –, e sim a realidade concreta saturada de determinações?
Antes de tentar responder a essas questões é importante fazer outras perguntas, que lhes são anteriores e das quais as respostas determinarão a construção do quebra-cabeça lançado acima, a saber: o que é a realidade? E, – da qual a resposta é mais importante – como se dá a relação entre a consciência do homem e a realidade?
Para responder a tais questões, a passagem de Marx no prefácio de seu livro Contribuição à Crítica da Economia Política, onde ele faz uma síntese sobre seu pensamento, é esclarecedora:
“na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual e geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX, 2003, p. 5, grifos meus).
Tendo em vista as colocações acima, pode-se afirmar, de acordo ainda com Marx que “o ideal não é mais do que o material transporto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado” (MARX, 2006, p. 28). É justamente nesse ponto que Marx se distancia de Hegel, dizendo que a dialética dele estava de ponta cabeça, e precisava ser invertida. A distinção era que para Hegel, a idéia era o demiurgo do real, o que fazia dele um pensador idealista.
Mas qual foi a importância de Hegel na construção do método de Marx, uma vez que ele se refere a Hegel no seu Prefácio da 2ª Edição de O Capital na defensiva, dizendo que ele não devia ser tratado como cachorro morto? Para responder a essa questão faz-se necessário incorrer mais uma vez a outra obra de Marx, onde ele ao fazer seu “ajuste de conta com Proudhon” também faz incursões ao método hegeliano. Trata-se da obra Miséria da Filosofia, escrita em 1847.
Nessa obra, ao tratar da questão do método, Marx constata que Proudhon, da mesma forma que Hegel, busca apreender a realidade de forma idealista, não partindo da base material onde se produz a consciência dos indivíduos em determinados momentos históricos, mas da história das idéias. “Os materiais dos economistas são constituídos pela vida ativa e atuante dos homens, os do Sr. Proudhon pelos dogmas dos economistas” (MARX, 2003a, p. 94).
Nas linhas seguintes, Marx expõe que é possível, pela força da abstração, assim como pela busca das categorias e relações mais simples, “transformar todas as coisas em categorias lógicas”, chegar ao “movimento em estado abstrato”, “a fórmula puramente lógica do movimento”, em suma, ao “método absoluto” (MARX, 2003a, p. 96).
Contudo, ainda que essas abstrações do real e do movimento possam se engendrar em tese, antítese e síntese, “quando não se visa o movimento histórico das relações de produção”, “naturalmente se segue que qualquer conjunto de produtos e de produção”, “se reduz a uma metafísica aplicada” (MARX, 2003a, p. 94-96). Assim, na dialética de Hegel:
“tudo o que se passou e ainda se passa é precisamente o que se passa em seu próprio raciocínio. Por isso, a filosofia da história não passa da história da filosofia, da sua própria filosofia. Já não existe “história segundo a ordem do tempo” mas apenas “ sucessão de idéias no entendimento”: Ele acredita poder construir o mundo pelo movimento do pensamento quando apenas reconstrói sistematicamente e ordena de acordo com o método absoluto os pensamentos que estão na cabeça de toda a gente” (MARX, 2003a, p. 97).
Tem-se então que as categorias são sempre instrumentos teóricos, expressões e abstrações das relações sociais estabelecidas e historicamente determinadas por um sistema sociometabólico de reprodução, em outras palavras, não são imutáveis. Com isso e alargando o que foi posto, não só as idéias, categorias, objetos, mas também a própria existência humana é um produto das relações sociais, e estas, estão em relação direta com as forças produtivas.
“Existe um movimento contínuo de aumento nas forças produtivas, de destruição nas relações sociais, de formação nas idéias; de imutável só existe a abstração do movimento – mors immortalis” (MARX, 2003a, p. 98).
Colocados os pingos nos “is”, outra indagação suscita do exposto nas linhas acima: como fazer aproximações do real, uma vez que este está em constante mudança, sem cair na armadilha do idealismo? Ou ainda, como Marx apropriou-se da dialética hegeliana e lhe deu substancia material, enriquecendo-a de concretude?
Na busca de respostas as aludidas questões e ao modus operandi do método em Marx, o texto Introdução à Crítica da Economia Política, de 1857, foi o que mais lançou luzes e permitiu uma visão mais clara de como abordar um objeto no terreno da economia política sem que se caia na armadilha do idealismo.
Nesse texto, Marx começa dizendo que ao se considerar um determinado país, seria conveniente começar o estudo pela população, sua divisão em classes, cidades, os diversos ramos produtivos, etc. Assim, seria “o melhor método” iniciar pelo real e pelo concreto (MARX, 2003, p. 247).
Contudo, conforme Marx observa, começar pela população seria “uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes de que se compõem”. De forma sistemática, Marx expõe que só existe um tipo de concreto a priori, que é a “visão caótica do todo”, um “concreto imediato”, “figurado”, que é sempre um pressuposto, mas que precisa ser desmontado e reconstituído. Desse processo, culmina-se novamente no concreto, mas agora “rico de determinações”, expressão da atividade humana de conceber. O resultado é um “concreto pensado” (MARX, 2003, p. 247). Conforme as próprias palavras de Marx:
“Assim, se começássemos pela população teríamos uma visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples. Partindo daqui, seria necessário caminhar em sentido contrário até chegar finalmente de novo à população, que não seria, desta vez, a representação caótica de um todo, mas uma rica totalidade de determinações mais simples. (...) O concreto é concreto por ser síntese de múltiplas e complexas determinações, logo unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto igualmente o ponto da partida da observação imediata e da representação” (MARX, 2003, p. 247-248).
É dessa forma, do concreto imediato, figurativo, ao abstrato, por meio de uma série de análises e busca de relações mais simples, que se realiza o primeiro passo. E no caminho inverso, do abstrato ao concreto, este agora como produto da atividade de conceber, como uma totalidade-de-pensamento, um concreto espiritual, se dá o segundo.
Do exposto nas linhas acima duas considerações podem ser lançadas: que ao partir do concreto – ainda que este seja imediato e caótico – e levando em consideração a relação entre a formação do espírito e as relações sociais de produção, Marx conseguiu utilizar o método de Hegel sem se tornar idealista e ainda enriquecer-lhe de concretude; que ao partir do todo e chegar na parte – do concreto imediato ao abstrato – e da parte ao todo – do abstrato ao concreto pensado –, Marx conseguiu fazer uma síntese entre o método dedutivo de Descartes (2005) e o indutivo de Bacon (1999). O diagrama a seguir ilustra o método.

Figura 1 – Diagrama sobre o materialismo histórico dialético
Fonte: Elaborado pelo autor.

Ainda no que tange ao método do materialismo histórico e dialético, uma última consideração diz respeito a uma famosa frase de Marx, de que “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco” (MARX, 2003, p. 254).
Conforme ele escreve no Prefácio do seu livro O Capital, seu objeto de estudo era o modo de produção capitalista e o terreno onde ele lançava seu olhar foi a Inglaterra, país mais desenvolvido até o momento. Tal atitude não era aleatória, pois o mesmo país “não faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido” (MARX, 2006, p. 16). Assim:
“Por este fato, as categorias que exprimem as relações desta sociedade e que permitem compreender a sua estrutura permitem ao mesmo tempo perceber a estrutura e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos ela se edificou, de que certos vestígios, parcialmente ainda não apagados, continuam a substituir nela, e de que certos signos simples, desenvolvendo-se nela, se enriqueceram de toda a sua significação” (MARX, 2003, p. 254).
Lançado mão das reflexões sobre o método e seu modus operandi, a seção seguinte trata da relação entre, método, ciência e ideologia. Tendo Max Weber como corolário, busca demonstrar que todo método é ideológico, e a única razão de se defender a ciência axiologicamente neutra é manter o status quo dominante.

2. Ciência e ideologia.

Conforme escreve Mészáros (2008), em um passado não muito distante, gerações de estudantes foram inculcadas a acreditar que ideologia e ciência tinham-se divorciado, e a academia finalmente tinha se tornado um lócus de neutralidade, livre de fatores que podiam influenciar/condicionar o processo de construção de conhecimento científico.
No que diz respeito à ciência social, um dos maiores defensores da neutralidade científica foi Max Weber. Para este autor:
“A tarefa elementar do autocontrole científico e a única forma de se evitar asneiras graves e tolas requer uma distinção nítida e precisa entre a análise comparativa da realidade através de tipos ideais, no sentido lógico, e julgamento de valor da realidade baseada em ideais. Em nosso sentido, um tipo ideal (...) não tem absolutamente nenhuma conexão com os juízos de valor, e não tem nada a ver com nenhum tipo de perfeição, a não ser aquela puramente lógica” (WEBER apud MÉSZÁROS, p. 19. 2008).
Uma primeira questão que pode ser levantada sobre os apontamentos de Weber seria como criar tipos ideais neutros, ou seja, quadros comparativos da realidade não condicionados por valores sociais, morais e, em última estância, por interesses econômicos?
Para examinar com mais proximidade as colocações de Weber sobre seus “tipos ideais”, toma-se aqui como exemplo a sua definição de capitalismo como “cultura”, que para esse autor, trata-se de um tipo ideal bem neutro, e que tem como princípio norteador o investimento de capital privado.
Conforme esclarece Mészáros (2008), a ligação de capitalismo e investimento em capital privado, não obstante se trate de uma verdade evidente, ou seja, nada mais do que uma mera tautologia, assim como sua definição como “cultura”, de modo nenhum modo deve ser considerada como um processo neutro e não ideológico.
Trata-se de um ponto de vista, ou opção teórico-metodológica muito bem definida, que “convenientemente bloqueia a possibilidade de definições rivais, sem se fundamentar em nada a não ser na pura suposição” (MÉSZÁROS, 2008, p. 20).
Muitos outros argumentos poderiam ser lançados aqui com o objetivo de evidenciar a não neutralidade do “tipo ideal” de Weber, tais como: a legitimação necessária para a persistência do modo de produção capitalista, fazendo da exploração e da apropriação do trabalho como sendo processos naturais; a desconsideração da dialética da descontinuidade da continuidade, dando lugar apenas a um sistema estático e contínuo, negando assim a luta de classe e as mudanças sociais qualitativas; o investimento cada vez mais crescente de capital estatal na reprodução ampliada do capitalismo; etc. Contudo, tendo em vista que o objetivo neste momento não é de fazer uma crítica em pormenores a Weber, e sim pautar sobre a relação entre ideologia e ciência, a citação a seguir resume a pretensão aqui lançada:
“A ideologia, como forma específica de consciência social, é inseparável das sociedades de classe. Ela se constitui como consciência prática inescapável de tais sociedades, vinculada à articulação dos conjuntos de valores e estratégias rivais que visam ao controle do metabolismo social sob todos os seus principais aspectos” (MÉSZÁROS, 2008, p.9).
Assim, a ideologia não é apenas um conjunto de ideais que legitimam e têm claro interesse na preservação do status quo – como pode ser visto em Weber. Ou ainda, uma posição que rejeita determinada realidade histórica sem questionar sua estrutura fundamental, mas também deve ser, em contraste com as aquelas duas posições, “radicalmente a persistência histórica do próprio horizonte de classe, antevendo, como objetivo de sua intervenção prática consciente, a supressão de todas as formas de antagonismo de classes” (MÉSZÁROS, 2008, p.11).
Estabelecida a relação entre ciência, método e ideologia, a seção seguinte se concentra nas conseqüências epistemológicas de se descentralizar a categoria trabalha na análise do movimento histórico.

3. A descentralização do trabalho e suas conseqüências epistemológicas.

Para alguns intelectuais como André Gors (1982), Claus Offe (1989) e Jüngen Habermas (1987; 1990) a sociedade do trabalho não é mais o lócus de centralidade responsável pela formação e determinação do ser social. Não obstante as especificidades de cada autor e suas respectivas teorias sobre a sociedade “pós-trabalho”, todos apresentam o mesmo cerne em suas discussões: a negação do trabalho enquanto categoria central.
Merece destaque a posição de Jüngen Habermas (1987; 1990), que negando a categoria trabalho como central e responsável pelo salto ontológico do ser social, propõe uma articulada “teoria do agir comunicativo” capaz de compreender toda a reprodução social, desde a fase mais primordial e pré-humana, até a fase conceituada por esse autor por “capitalismo tardio”.
Segundo Habermas, a categoria que diferencia o homem do animal, o ser social do ser natural, a responsável pelo salto ontológico do ser pré-humano ao homo sapiens, é a linguagem. Conforme coloca Habermas:
“Podemos falar de reprodução da vida humana, a que se chegou hoje o homo sapiens, somente quando a economia de caça é completada por uma estrutura social e familiar. Esse processo durou milhões de anos; ele equivale a uma substituição, de nenhum modo insignificante, do sistema animal de status (...) por um sistema de normas sociais que pressupõe a linguagem” (HABERMAS, 1990, p. 116-117).
É com esse argumento que Habermas nega a centralidade do trabalho, enquanto categoria fundante e a substitui pela categoria da linguagem, da intersubjetividade, negando também a tradição marxiana, sendo esta para ele insuficiente para compreender e capturar a forma e a existência da vida humana.
Nesse sentido, contrariando e negando grande parte da teoria marxiana – uma vez que descentraliza a categoria trabalho –, e tendo como central em sua teoria a categoria da linguagem, o resultado do salto ontológico, para Habermas, deixa de ser a produção e reprodução de valores de uso, e passa a ser a produção de consensos, sendo estes produzidos a parir do agir comunicativo (MONTAÑO, 2003).
Com tudo isso, o agir comunicativo seria para Habermas o motor da história, do processo de mudança e avanço da sociedade, e não mais a luta de classes, a contradição, como em Marx. Habermas oferece a esfera do mundo da vida, da intersubjetividade como a única categoria capaz de colocar em movimento a emancipação humana (MONTAÑO, 2003).
É importante ressaltar que de forma alguma a intenção aqui é de resumir a vida exclusivamente ao trabalho, muito menos de minimizar a importância da linguagem para o homem. Trata-se sim, de afirmar a posição fundante e não fundada – como afirma Habermas – do trabalho. De acordo com Lukács (apud ORGANICISTA, 2006):
“Quando atribuímos uma prioridade ontológica a determinada categoria com relação à outra, entendemos simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda, enquanto o inverso é ontologicamente impossível. É algo semelhante à tese central de todo o materialismo, segundo o qual o ser tem prioridade ontológica com relação à consciência. Do ponto de vista ontológico, isso significa simplesmente que pode existir o ser sem a consciência, enquanto toda a consciência deve ter como pressuposto, como fundamento algo que é. Mas disso não deriva nenhuma hierarquia entre o ser e a consciência. Ao contrário, toda a investigação ontológica concreta sobre a relação de ambos mostra que a consciência só se torna possível num grau relativamente elevado de desenvolvimento da matéria” (LUCÁKCS apud ORGANICISTA, 2006, p. 132-133).
De forma geral, embora o assunto não esteja de forma alguma esgotado e a exposição aqui lançada tenha de dado e forma breve, não é difícil de perceber na teoria de Habermas as conseqüências epistemológicas: a negação da luta de classes, da alienação do trabalho enquanto categoria subsumida aos interesses do capital, da precarização cada vez mais acentuada das relações sócias, enfim, de uma posição positivista em relação a sociedade capitalista e de classes sociais.
A seção seguinte trata da relação entre o homem e a natureza lato senso. Busca lançar mão de reflexões sobre o trabalho reificado e suas conseqüências para os trabalhadores, busca assim, pela negação do trabalho, compreender e refletir sobre a negação desta forma de negação.



3. A dialética do trabalho.

Para compreender o conceito de trabalho e suas conseqüências para a classe trabalhadora, é necessário antes de tudo compreender o trabalho com uma dupla possibilidade: enquanto atividade produtiva emancipatória ou enquanto atividade produtiva alienada e/ou estranhada.
Outra consideração que precisa ser feita é que a análise aqui presente, no que diz respeito à alienação, se dá em determinadas condições históricas. Precisamente por ser o capitalismo o atual modo de produção predominante, é que se considera aqui essa base material como ponto de partida para as devidas reflexões sobre a alienação do trabalhador.
Também se faz necessário considerar que a atividade produtiva é um fator sem a qual a existência humana não seria possível. Conforme coloca Mészáros (2006, p. 78), “o modo de existência humano é inconcebível sem as transformações humanas realizadas pela atividade produtiva”. Nesse sentido, a atividade produtiva é o “mediador na relação sujeito-objeto entre homem e natureza” (MÉSZÁROS, 2006, p. 78).
O produto do trabalho é a objetivação do homem. Quando livre, o trabalho possibilita ao ser humano – um ser então objetivo – manifestar-se e contemplar-se a “si mesmo num mundo criado por ele, objetivado, e não somente no seu pensamento” (MÉSZÁROS, 2006, p. 144).
Assim, uma vez considerado que o trabalho – enquanto atividade produtiva – é a mediação fundamental entre o homem e a natureza (MARX, 2004; MÉSZÁROS, 2006), a partir do momento em que o trabalho se torna uma mercadoria, surgem mediações de segundo grau – tais como a propriedade privada, a divisão do trabalho e o intercâmbio – que o “impedem de se realizar em seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriação humana dos produtos de sua atividade” (MÉSZÁROS, 2006, p. 78, grifos meus).
Com isso, tendo em vista a composição e o funcionamento da sociedade capitalista, fundamentada na reificação do trabalho, ou ainda, da categoria capital, entendida como uma relação social de dominação baseada na estrutura hierárquica do trabalho (MÉSZÁROS, 2002), o trabalho, nestas condições, torna-se uma atividade penosa e de sofrimento, uma atividade alienada e estranhada pelo homem.
Entender a alienação, enquanto tese predominante na sociedade capitalista e suas dimensões mais profundas, é imprescindível para que a emancipação do trabalho, enquanto antítese, seja realizada, e principalmente, para que a classe trabalhadora seja capaz de supra-sumir a triste e verdadeira – pois concreta e historicamente verificável – , história da humanidade, a triste história de luta de classes.
Conforme coloca Marx (2004) e Mészáros (2006), a alienação na fase capitalista pode ser entendida em quatro dimensões interdependes: a alienação do homem em relação à natureza; a alienação da própria atividade produtiva; a alienação do homem como membro de sua espécie – de seu ser “genérico” e; a alienação do homem em relação aos outros homens.
A primeira das dimensões colocadas, diz respeito à relação entre o trabalhador e o objeto fruto de sua atividade produtiva, o produto de seu trabalho. Nesse sentido, na produção capitalista, a objetivação do trabalho:
“(...) tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é desposado dos objetos mais necessários não somente à vida, mas também dos objetos do trabalho. Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital” (MARX, 2004, p. 80).
Dessa forma, o trabalhador ao se relacionar com o produto de seu trabalho, este lhe aparece como “um objeto estranho”, “uma existência externa”, que se defronta com uma “potência autônoma diante dele” (MARX, 2004, p. 80).
Não obstante, o estranhamente não se dá apenas na relação entre o sujeito e o objeto, no resultado da atividade produtiva, mas também, “e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva” (MARX, 2004, p. 82).
Dito de outra forma, a segunda dimensão da alienação pode ser observada na relação do trabalhador no interior do processo, na sua relação com sua própria atividade, como uma atividade “alheia que não lhe oferece satisfação por si e em si mesma, mas apenas pelo ato de vendê-la a outra pessoa” (MÉSZÁROS, 2006, p. 20).
Nesse sentido, não é a atividade em si que lhe proporciona satisfação, mas uma “propriedade abstrata dela: a possibilidade de vendê-la em certas condições” (MÉZÁROS, 2006, p. 20). O trabalho se torna apenas um meio de existência, para satisfazer carências fora dele. Conforme Marx (2004):
“O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si (quando) fora do trabalho e fora de si (quando) no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. (...) O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade aparece para o trabalhador como se (o trabalho) não o pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo” (MARX, 2004, p. 83).
Conhecida as duas primeiras dimensões da alienação, que Marx (apud MÉSZÁROS, p. 20) chama de “estranhamento da coisa” e a segunda de “auto-estranhamento”, pode-se então entender as outras duas dimensões, que são conseqüências diretas e indiretas das duas primeiras, a saber: a alienação do ser humano como membro de sua espécie, ou seja, a alienação do homem então ser genérico e; a alienação do homem em relação aos outros homens, ou seja, em sua sociabilidade.
A terceira dimensão da alienação do ser humano, que se concretiza por meio do trabalho estranhado, faz “do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio de sua existência individual” (MARX, 2004, p. 84, grifos meus). Em outras palavras, quando a atividade livre do homem é reduzida a apenas um meio, “ele faz da vida genérica do homem um meio de sua existência física" (MARX, 2004, p. 84). Nas palavras de Mészáros:
“O terceiro aspecto – a alienação do homem com relação ao seu genérico – está relacionado com a concepção segundo a qual o objeto do trabalho é a objetivação da vida da espécie humana, pois o homem se duplica não apenas na consciência, intelectual (mente), mas operativa, efetiva (mente), contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele” (MÉSZÁROS, 2006, p. 20).
Com efeito, ao colocar o indivíduo em primeira instância em relação à humanidade, de forma imediata, a própria consciência de ser um “sujeito histórico” é perdida, e a capacidade de “fazer história” é negada, uma vez que a contradição entre indivíduo e humanidade acaba levando à aparente idéia de que a história já está construída e, desta forma, é limitada aos indivíduos. Isso:
“(...) traz a dissecação e a completa eliminação cética do sujeito histórico, com conseqüências devastadoras para as teorias que podem ser construídas no interior desses horizontes. Pois, uma vez que o sujeito histórico é lançado ao mar, não apenas a possibilidade de fazer, mas também de entender a história deve sofrer o mesmo destino, (...)” (MÉSZÁROS, 2007, p. 47).
Enquanto Marx levou em consideração a relação do “homem com a humanidade em geral[3]” para formular a terceira dimensão/faceta da alienação (MÉSZÁROS, 2006, p. 2), no quarto aspecto da alienação ele “está considerando tendo em vista a relação do homem com os outros homens” (MÉSZÁROS, 2006, p. 2). Conforme Marx:
“Uma conseqüência imediata disto, de o homem estar estranhado do produto do seu trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem pelo (próprio) homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com seu trabalho, produto do seu trabalho e consigo mesmo, vale em relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do trabalho de outro homem” (MARX, 2004, p. 85-86).
Assim, o conceito de alienação em Marx expressa a relação do homem com a natureza, com os objetos de seu trabalho – na separação entre o trabalhador e seu objeto e consigo mesmo –, assim como na própria atividade produtiva, de um lado, e “as relações desse processo na relação entre o homem-humanidade e homem e homem, de outro” (MÉSZÁROS, 2006, p. 21).
Tal processo também foi descrito por Dejours (1999) como a “banalização da injustiça social”, que, grosso modo, explica o mecanismo no qual o homem, alienado no seu trabalho, sublima tal sofrimento, e uma vez que “neutraliza” o seu próprio sofrimento, isso vai implicar na neutralidade de perceber o sofrimento do outro, nessa relação de sociabilidade homem-homem.
Assim, tendo em vista todo o caráter alienador do trabalho em condições de exploração dada pela estrutura do modo sociometabólico de produção dominante, somente a negação dessa estrutura de negação pode indicar o caminho e a dimensão do trabalho emancipado.
Feita a discussão sobre a dialética do trabalho e sua importância na determinação do ser social, a próxima seção, que são as considerações finais do presente trabalho, ainda que tenha mais um caráter de um próto-ensaio, busca lançar mão de algumas reflexões sobre os limites do materialismo histórico na atividade de conceber a realidade, buscando assim, refletir sobre o futuro do materialismo histórico e do trabalho.

4. Considerações finais. O mundo das máquinas e o método em Marx: breve ensaio sobre o futuro da centralidade do trabalho.

Em crítica sistemática a Lukács em uma passagem de sua principal obra – Para além do Capital –, Mészáros (2002) combate de forma exaustiva a interpretação a-histórica do aludido intelectual em relação à teoria do valor de Marx, que a interpreta como sendo uma lei da física e, nesse sentido, imutável e imortal.
Por meio de algumas citações-chave de Marx, Mészáros (2002) sistematiza de forma clara que a teoria do valor, pautada e substanciada no trabalho abstrato, e que reduz o homem à “carcaça do tempo”, não teria o menor sentido em uma sociedade socialista avançada. Assim, tendo em vista que:
“a troca de trabalho vivo por trabalho objetivado – isto é, a colocação do trabalho social sob a forma de contradição entre capital e trabalho assalariado – é o desenvolvimento último da relação-valor e da produção que se apóia no valor. Sua pressuposição é – e continua sendo – a massa de tempo de trabalho direto, a quantidade de trabalho empregado, como fator determinante na produção de riqueza. Mas à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real depende cada vez menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregada que do poder das forças postas em movimento durante o tempo de trabalho cuja “poderosa efetividade” está, ela própria, por sua vez, fora de toda a proporção com o tempo de trabalho diretamente gasto na sua produção, mas antes depende do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência na produção. (...) Assim que o trabalho na forma direta deixa de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa de ser e tem que deixar de ser, sua medida, e conseqüentemente o valor de troca tem que deixar de ser a medida do valor de uso” (MARX, apud MÉSZÁROS, 2002, p. 867).
Mas qual é a relação da supracitada e extensa citação com o objetivo específico lançado de refletir sobre os limites históricos do materialismo histórico e dialético de Marx?
A resposta é que a aludida citação possibilitou as seguintes considerações sobre o método e sua relação com o trabalho: que o método de Marx, possibilitou a ele uma interpretação da história por meio de categorias econômicas, e que estas não são imutáveis; que todas as outras categorias são fundadas no trabalho, sendo que se este não for mais a categoria chave do metabolismo social, restaria apenas o movimento lógico, conforme colocado por Marx e citado na seção sobre o modus operandi do método, ou seja, a abstração do movimento.
Contudo, ainda que possa parecer uma perda de tempo tentar resolver problemas antes de deles serem originados, a questão é que negar o trabalho no atual momento histórico, ou ainda, em “determinados tempos históricos”, como faz Habermas, tem como resultado a negação da própria luta de classe como motor da história, que além que transformar em “inviável” a luta pela emancipação do trabalho, é também um paradoxo, pois nega o próprio caminho de descentralidade do trabalho, ainda que essa descentralidade, a priori, só possa ser entendida no terreno da economia política.

Referencial Bibliográfico.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boi Tempo, 1999.

BACON, F. Novun Organun ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

DEJOURS, C. A Banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

DESCARTES, R. Discurso do Método: Regras para a direção do espírito. São Paulo: Martin Claret, 2005.

GORZ, A. Adeus ao proletariado. Rio de Janeiro: Florense, 1982.

HABERMAS, J. “A nova intransparência”. Novos Estudos CEBRAP, nº 18, setembro de 1987.

HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Capítulo VI (inédito). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda, 1978.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes. 2003.

MARX, K. Miséria de Filosofia. São Paulo: Centauro Editora, 2003a.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.

MÉSZÁROS, I. A teoria da Alienação em Marx. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.

MÉSZÁROS, I. Filosofia, Ideologia e Ciência Social: ensaios de negação e afirmação. Boitempo Editorial. São Paulo: 2008.

MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2003.

OFFE, C. Trabalho e Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

ORGANICISTA, J. H. C. O debate sobre a centralidade do trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006.
[1] Artigo produzido para a disciplina Seminário Epistemológico do Curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, ministrada pela Professora Doutora Eurize Caldas Pessanha.
[2] O presente trabalho não tem a mínima pretensão de fazer qualquer tipo de crítica aos autores citados. Muito pelo contrário, foram justamente eles que despertaram o nosso interesse sobre a aludida discussão acerca da centralidade do trabalho. A pretensão aqui é clara: tentar trazer a discussão da centralidade do trabalho para o método.
[3] “Isto é, a alienação da “condição humana” no curso de seu rebaixamento por meio de processos capitalistas” (MÉSZÁROS, 2006, p. 2).

sexta-feira, 24 de julho de 2009

aula de agosto: Dimensões do Desenvolvimento

Segue os horários da próxima aula da especialização:

Disciplina: DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO
Docente: Prof. Fernando Jorge


Horários (bloco III, sala 21):


1º módulo (15 horas / aula)

Dia 07/08 (sexta feira)

NOITE
- 19:00 entrada
- 20:45 lanche
- 22:40 previsão término

Dia 08/08 (sábado)

MANHÃ
- 08:00 entrada
- 09:45 lanche
- 12:00 previsão término

TARDE
- 14:00 entrada
- 15:45 lanche
- 18:00 previsão término


2º módulo (15 horas / aula)

Dia 21/06 (sexta feira)

NOITE
- 19:00 entrada
- 20:45 lanche
- 22:40 previsão término

Dia 22/06 (sábado)

MANHÃ
- 08:00 entrada
- 09:45 lanche
- 12:00 previsão término

TARDE
- 14:00 entrada
- 15:45 lanche
- 18:00 previsão término


EMENTA PROPOSTA:
Discussão sobre os diferentes tipos de desenvolvimento e os projetos de sociedade que eles implicam; Desenvolvimento e Modo de Produção; Desenvolvimento Econômico; Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Sustentável; Desenvolvimento Solidário; Críticas ao desenvolvimento (Subdesenvolvimento, o mito do desenvolvimento econômico de Celso Furtado); Estratégias históricas de Desenvolvimento (Europa, EUA, Japão, Coréia e Brasil); Reflexão sobre qual projeto de sociedade queremos.

Objetivos e Estratégia Pedagógica:
Analise crítica sobre as diferentes formas de desenvolvimento promovidas pelos Estados Nacionais, refletindo sobre o projeto de sociedade embutido em cada uma delas, bem como disponibilizar parâmetros de analises sobre a qualidade de um determinado tipo de desenvolvimento.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Público versus mercantil

Público versus mercantil
Emir Sader


Uma das operações teóricas e políticas mais bem sucedidas do neoliberalismo foi instaurar os debates em torno da oposição estatal/privado. Deslocar o debate para esse eixo impõem um campo de debate duplamente favorável ao liberalismo, porque por um lado permite uma mais fácil desqualificação do estatal e, por outro, desloca um dos termos essenciais do debate – o público.

O estatal é caracterizado nesse esquema como ineficiente, aquele que cobra impostos e devolve maus serviços à população, como burocrático, como corrupto, como opressor. Enquanto que o privado é promovido como espaço de liberdade individual, de criação, de imaginação, de dinamismo.

O Estado brasileiro tem sido facilmente desqualificável, porque tornou-se um Estado privatizado. Um Estado que arrecada do mundo do trabalho e transfere recursos para o setor financeiro, gastando mais com o pagamento dos juros da dívida do que com educação e saúde. Um Estado que paga taxas de juros estratosféricas ao capital financeiro, mas remunera pessimamente seus professores e seus trabalhadores do setor de saúde pública, aqueles mesmos que prestam serviços à massa da população. Um Estado que não assegura os direitos básicos para a grande maioria da população, mas que dilapidou o patrimônio público em processos de privatização financiados com o próprio dinheiro público. Por oposição, o privado surge como polo privilegiado.

Porém a oposição estatal/privado reduz o debate a dois termos que na realidade não são necessariamente contraditórios, porque o estatal não é um polo, mas um campo de disputa, que nos nossos tempos é hegemonizado pelos interesses privados. Já o privado não é a esfera dos indivíduos, mas os interesses mercantis - como se vê nos processos de privatização, que não constituíram processos de desestatização em favor dos indivíduos, mas das grandes corporações privadas, aquelas que dominam o mercado – verdadeira cara por trás da esfera privada no neoliberalismo. O polo oposto ao estatal, nesse esquema, é a negação da cidadania, é o reino do mercado, aquele que, negando os direitos – não há lugar para eles no mercado – nega a cidadania, e indivíduo como sujeito de direitos.

A polarização essencial não se dá entre o estatal e o privado, mas entre o público e o mercantil. Dentro do próprio Estado se desenvolve, de forma surda ou aberta, o conflito e a luta entre os que defendem os interesses públicos e os interesses mercantis, entre o que Pierre Bourdieu chamou dos braços esquerdo e direito do Estado.

O público se fundamente nos cidadãos – nos indivíduos como sujeitos de direitos –, enquanto o mercado congrega aos componentes do mercado – os consumidores, os investidores. O primeiro tem na sua essência a universalização de direitos, o segundo, a mercantilização do acesso ao que deveriam ser direitos – educação, saúde, habitação, saneamento básico, lazer, cultura. O público se identifica com a democracia, seja pelo compromisso com a universalização dos direitos, seja pela possibilidade de controle pela cidadania, enquanto que ao mercantilizar esferas da sociedade – privatizando-as – se retira da cidadania a capacidade de controle sobre elas.

Apesar dos avanços da mercantilização nos anos noventa no Brasil, houve também o fortalecimento de iniciativas de caráter público, como são, como suas diferentes expressões, as políticas de orçamento participativo e os assentamentos dos trabalhadores sem terra. A TV Cultura, na sua concepção original - hoje infelizmente bastante enfraquecida, por depender ela também da publicidade privada - foi outra excelente expressão de políticas públicas.

A construção de uma democracia social – uma outra forma de falar da superação do neoliberalismo - no Brasil requer uma reforma profunda do Estado brasileiro, refundando-o em torno da esfera pública. Mas antes de tudo, requer a reposição do conjunto dos debates políticos e teóricos em torno da polarização público/mercantil.

As primeiras orientações do governo Lula não parecem tampouco inovar neste plano, desqualificando o servidor público, não privilegiando o fortalecimento da educação e da saúde públicas, perdendo a chance de fazer uma reforma tributária socialmente justa, desconhecendo a centralidade da esfera pública e o tema estratégico da reforma democrática do Estado – de que o orçamento participativo, em modalidades inovadas, é elemento essencial. A saída do modelo neoliberal não depende apenas de novas políticas econômicas, mas de assumir a centralidade do público e a luta contra a mercantilização - chave da democracia social, da prioridade do social com que se comprometeu o novo governo ao triunfar eleitoralmente. Mudança implica mudança econômica, política, social, cultural, mas também mudança do campo teórico de análise e de referência.

* Emir Sader, 59, é professor da USP e da UERJ, autor, entre outros, de A vingança da História (Boitempo Editorial).

Extraido do sítio: América Latina em movimento, no endereço: http://alainet.org/active/3804&lang=es

sábado, 18 de julho de 2009

custeio da especialização - julho 09

Relatório do custeio da especialização em Gestão Pública e Sociedade
Julho de 2009

* Total de Receitas: R$ 5.705,00

* Total de Despesas: R$ 5.768,00

* Resultado no mês: R$ - 63,00

* Fundo de Reserva (acumulado): R$ 1.915,00

* Inadimplência: - R$ 1.400,00 (saldo devedor)


Detalhamento dos gastos em julho:

1- Taxa Fapto: R$ 570,00
2- Taxa NEEG: R$ 0
3- Passagem (Ribeirão Preto - Palmas - Ribeirão Preto): R$ 1.100,00
4- Despesas com Hotel : R$ 320,00
5- Despesas com alimentação/refeições: R$ 152,00
6- Despesas com custeio (combustível) R$ 140,00
7- Lanche para a classe (junho e julho) : R$ 536,00
8- Honorários do Professor: R$ 2.550,00
9- Honorários da Coordenação: R$ 400,00
10- Imposto Patronal: R$ 590,00


Obs: Caso a curva de adimplência venha a ser ascendente, haverá novos descontos nas mensalidades.


A coordenação

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ecologia e Desenvolvimento: armadilhas, riscos e oportunidades



Onde está a VIDA que perdemos em vida?
Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos com a informação
?”
The Roch. Faber Edition London, 1961

É no mínimo preocupante quando a idéia de que - a preservação ambiental é obstáculo para o desenvolvimento do Brasil - ganha cada vez mais apelo e visibilidade.

Trata-se de um falso dilema, isso porque obviamente é o homem que precisa da natureza, e não o contrário. Manter, ou se preferirem, sustentar os ciclos ecológicos, significa manter a possibilidade de vida humana. Logo, o que está em jogo é precisamente o tipo ou a qualidade de desenvolvimento de que estamos falando.

A atual forma de sociedade ou civilidade predominante foi constituída, ao longo de alguns séculos, motivada ou centrada especialmente na riqueza material. Para se viabilizar tal lógica de desenvolvimento, criaram-se algumas estruturas básicas.

Com isso, uma vez definido o macro-objetivo de ganho material imediato e sempre crescente, formou-se um determinado processo de acumulação de riquezas, que traz consigo, necessariamente, duas conseqüências diretas: (1) ele é um objetivo divergente, ou seja, materialmente é possível apenas algumas poucas pessoas concentrar e acumular riquezas, e (2) direciona-se as descobertas e inovações científicas e tecnológicas para se acelerar a produção de mercadorias, mesmo que tal produção não acompanhe, efetivamente, as necessidades agregadas de uma sociedade.

Como resultado, temos a configuração, por um lado, da exploração do trabalho, que se materializa em pobreza e exclusão material de parte expressiva da humanidade, e por outro lado, na formação de processos produtivos e parques industriais “programados” a acelerar a produção indubitavelmente, ou seja, a finalidade não é o valor de uso - aquilo que realmente é necessário para melhorar as condições de vida das pessoas, inclusive tempo livre e lazer, mas apenas o consumo sempre crescente. Para manter em ascendência tal curva de consumo, e esse é um ponto essencial desta lógica, também se reduz, drasticamente, a vida útil das mercadorias produzidas, aumentando-se o desperdício, ou seja, novas necessidades artificiais de consumo.

Logo, enquanto que isoladamente têm-se ganhos crescentes de produtividade e eficiência, traduzidos em produzir mais coisas com menos tempo, no conjunto temos na realidade ganhos decrescentes de produtividade e efetividade. Isso porque há uma substituição crítica ou inversão de prioridades, pois o trabalho disponível e o aparato tecnológico de produção não são direcionados, progressivamente, para outras demandas sociais, tais como a redução do tempo de trabalho necessário, eficiência energética e de mobilidade, melhores condições de vida, enriquecimento cultural e intelectual, mas sim para a mera, desnecessária e irracional reposição incessante de mercadorias (muitas das quais de utilidade duvidosa, como o setor de luxo) além dos custos crescentes com o equacionamento dos passivos ou externalidades negativas criadas (lixo, caos urbano, doenças e epidemias, encarecimento dos meios de transporte, violência, erosão e contaminação dos solos, ineficiências energéticas, entre outros), dito de outra forma, um colossal desperdício sistêmico.
Os países do capitalismo originário puderam se beneficiar, até certo ponto, deste tipo de desenvolvimento, pois obviamente para a ascensão da industrialização havia a disponibilidade de uma grande capacidade de carga do planeta, além de imensos territórios para se colonizar ou explorar.

Entretanto, iniciamos o século XXI em outro contexto, pois enquanto a tragédia social já é um fato indiscutível, tal modo de se produzir, centrado numa velocidade ainda maior de destruição, começa a encontrar limites físicos para a sua expansão, que é justamente a própria capacidade de carga do planeta Terra, tanto do ponto de vista dos recursos naturais disponíveis, como especialmente na capacidade de processas ou “reciclar” os imensos passivos ambientais e ecológicos criados.

As opções são claras: continuidade no desenvolvimento baseado no capital ou inovação societal.
Optar pelo mesmo tipo de desenvolvimento, baseado na exploração incessante sobre os recursos naturais e sobre o trabalho, poderá no médio prazo trazer crescimento econômico e ganhos materiais para o Brasil, mas aqui está a grande armadilha.
Isso pelo fato de que, obviamente, alguns segmentos enriqueceram mais, enquanto outras camadas sociais aproveitaram tão somente os respingos dessa suposta prosperidade. Mas no longo prazo, além de se esgotarem os mecanismos artificiais de se “acelerar” o crescimento (como o crédito), seus efeitos “colaterais” não tardarão de se manifestar, em diferentes perspectivas, a saber:

1) Estando a floresta amazônica em grande medida destruída, teremos uma sobrecarga fatal de lançamento dos gases do efeito estufa na atmosfera, colocando o Brasil lado a lado dos demais países responsáveis por essa tragédia climática, de efeitos ainda imprevisíveis sobre toda a humanidade;
2) Com a destruição de parte expressiva da floresta, também será afetado o ciclo de chuvas na região centro sul do país, com amargos prejuízos na agricultura.
3) Ao perder controle sobre o desmatamento e o domínio sobre o território, abre-se um perigoso precedente para a intervenção bélica internacional, sob o argumento de defesa da natureza, mas motivado principalmente pela busca dos seus recursos, afinal, estamos no mesmo “jogo” realizado pelas grandes potências econômicas (que obviamente apelaram muitas vezes para o uso da força).
4) Quando for saturado o crescimento baseado no crédito e nas exportações, haverá refluxo nas taxas de emprego e ocupação profissional, sem falar dos outros problemas avindos com o caos urbano, degradação do ar e das águas, ou seja, os exatos problemas enfrentados pelas nações consideradas “ricas”.
5) Na hipótese de investimentos externos contínuos, temos ainda dois efeitos a se considerar, aumento da remessa de lucros e incremento contínuo de tecnologias poupadoras da mercadoria trabalho, ou seja, os empregos são destruídos numa velocidade maior do que são criados.
Outro caminho seria inovar na forma e na lógica de se gerar riqueza. No curto prazo há grandes riscos, pois o crescimento econômico pode inclusive ser freado, afetando expectativas mais imediatistas de conforto material, mas no longo prazo, os benefícios e oportunidades são ilimitados.

Pensar no desenvolvimento de longo prazo e baseando no bem estar das pessoas e uso sustentável dos recursos naturais, requer decisões firmes e cruciais no momento presente.
Nessa perspectiva, há muitas questões a serem tratadas, como o planejamento territorial da região norte, matriz energética, tecnologia e produção, entre outros.

Apenas para ilustrar, não é difícil imaginar um caminho estratégico razoável. Por um lado redirecionar os imensos recursos, hoje canalizados para grandes obras de infra-estrutura (com questionáveis benefícios), e optar primeiro pela pesquisa, desenvolvimento e disseminação de alternativas de energia, transporte, moradia e eficiência energética. No imediato o crescimento econômico pode ser até nulo, mas aos poucos haverá naturalmente uma redução exponencial no desperdício, na obsolescência de mercadorias, e uma nova equação produção VS consumo, ou seja, com o mesmo produto industrial cria-se um estoque de riquezas maior ou crescente. No médio prazo, como não há novos custos com passivos ambientais, pode-se priorizar o setor de biotecnologia, com a perspectiva de novos valores conhecimentos e produtos. Já no longo prazo, além de manter os ciclos ecológicos vitais, haverá maior estoque de riqueza, distribuída e potencializada, junto com novas oportunidades de conforto material e espiritual, inclusive a necessária redução do tempo de trabalho socialmente necessário.

Numa opção, projetamos um futuro de crises econômicas, mal estar social, desequilíbrio climático, guerras, epidemias, poluição, caos... na outra, menor opulência material (luxo) de uns poucos, porém mais tempo livre para todos, água, alimentos e ar de qualidades, bem estar social e cultural, razoável conforto material e uma sociedade sustentável. Utopia? Opção? Ideologia? Possibilidade? Ou apenas o primeiro capítulo da nossa história como civilização de fato?

Prof. Édi Augusto Benini

sábado, 4 de julho de 2009

Lançamento do NEEG

A Universidade Federal do Tocantins convida a todos para o evento de lançamento oficial do...

NÚCLEO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS EM GESTÃO CONTEMPORÂNEA – NEEG


O evento acontecerá no dia 10 de julho, no CUICA

Programação:

19:00 Abertura e Apresentação do NEEG

19:45 Gestão de Pequenas e Médias Empresas
Palestrante: Paulo Massuia - Sebrae

21:00 A Ideologia do "Terceiro Setor": Transformação Social ou Salvação do Capitalismo Histórico?
Palestrante: Prof. Dr. Felipe Luiz Gomes e Silva - Unesp


Outras informações:
neeg@uft.edu.br

Nova sala do NEEG:
Bloco C, sala 03

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Decifrando os "anos dourados do capitalismo"

Segue abaixo reflexões do Prof. Felipe Silva - disciplina Análise Crítica da Teoria Organizacional, sobre os "anos dourados do capitalismo". Será possível repetir tal façanha, e para todos os povos, dentro do sistema econômico atual? Vejam:



IMPORTANTE PARA ENTENDER O CONTEXTO DA "ECONOMIA SOLIDÁRIA AUTOGESTIONÁRIA" NO SÉCULO XXI- O PENSAMENTO DO PROFESSOR PAUL SINGER.

"Para Marx, o LIMITE da acumulação de capital é atingido quando o EXÉRCITO industrial de reserva, ou seja, o conjunto de desempregados, passa a ser incorporado à economia. Todo o sistema capitalista tende a ter uma parte da sua força de trabalho desempregada ou subempregada. Quando a acumulação se acelera, um número cada vez maior de empregos vai sendo criado e esses empregos vão dando ocupação ao exército de reserva. Chega o momento em que não há mais reserva de força de trabalho, ou seja, uma situação de 'pleno emprego', na fraseologia keynesiana. " Singer, Paul -Curso de Introdução à Economia Política - Forense, 1980, p.66)

Como entender os denominados "Anos Dourados" (1945 - 1970), redistribuição de renda, gastos sociais em saúde, educação, previdência social e "PLENO EMPREGO" nos países centrais?
Resultou da aplicação da Teoria de J.M.Keynes? Responde Singer:

. "Convém a este respeito ser preciso:as prescrições de Keynes para arrancar uma economia nacional de uma depressão ( como a de 1930 - alto desemprego) não encontraram aplicação porque esta eventualidade não se apresentou durante o primeiro quarto de século após a Segunda Guerra Mundial. A ampla presença do Estado como REGULADOR e como empresário, na economia foi uma HERANÇA da luta contra a depressão, nos anos 30, e do PLANEJAMENTO BÉLICO, na primeira metade dos anos 40. Entre 1945 e 1970, tornaram-se de praxe políticas de apoio ao investimento, como, por exemplo, crédito abundante a juros baixos, subsídios e fomento público de certas atividades, consideradas prioritárias. Esta ação dos principais Estados capitalistas permitiu a extraordinária expansão das empresas MULTINACIONAIS e constitui um dos principais fatores de sustentação da longa prosperidade do pós-guerra"
(Singer, Paul- O capitalismo São Paulo: Moderna,1987, p.56)

A retomada (cada vez mais difícil) da acumulação (Singer, Paul, 1987.p. 46).