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Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"consolidação dos leis sociais": uma primeira análise crítica

Alguns pessoas estão indagando sobre a tal "Consolidação das Leis Sociais", inspiradas na CLT. Não conheço o conteúdo desta proposta, mas pelas notícias já podemos fazer (ou arriscar) alguns considerações para o debate crítico e sério, a quem interessar o debate... e quem sabe fazer uma ponte com a economia solidária... vou pontuar para facilitar o raciocínio:

1. Consolidar significa manter algo e aglutinar partes dispersas num único ordenamento, nenhuma novidade até aqui.

2. Vale lembrar que a CLT - consolidação das leis trabalhistas - é fruto da luta histórica dos trabalhadores contra a exploração do trabalho, por meio de medidas defensivas tais como férias, 13 salário, jornada de 40 horas semanais... no Brasil, na ausência de uma autêntica luta popular, foi uma necessidade econômica de aumento do mercado consumidor, para o projeto Getulista de industrialiação e modernização capitalista, a partir dos interesses nacionais, que fez com que o Estado implantasse tal proposta.

3. Com isso, a CLT nada mais é que a "consolidação", no Brasil, de um conjunto de direitos sociais conquistados duramente pelos trabalhadores. Mas em que pese tal conquista, é importante entender que ela é defensiva, ou seja, alguns direitos como forma de amenizar a exploração e degradação do trabalho (mas que não ataca o "cancer" central, que é justamente a propriedade privada dos meios de produção).

4. No pós guerra, em alguns paises centrais, o avanço dos direitos sociais, quase no limite da taxa de lucro interna do setor empresarial, combinado com a dinamica de reconstrução européia, disponibilidade de nova base tecnica desenvolvida na guerra, competição do ocidente contra o "socialismo real" da URSS (que poderia inspirar a revolta de milhões de trabalhadores), e especialmente a retomada da exploração das transnacionais sobre os paises pobres e subdesenvolvidos, voltando a pilhar suas riquezas, viabilizou, do ponto de vista economia e político, o ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, o máximo de qualidade de vida conseguido por alguns povos, naquelas condições, dentro do capitalismo.

5. Após a 3ª revolução industrial (anos 80), o financiamento desse Estado de Bem estar Social é minado pelo desemprego estrutural (tecnologias poupadoras da mercadoria trabalho), temos a crise fiscal do Estado, por um lado, e crise do consumo, esta saneada, por quase duas décadas, e de forma ARTIFICIAL, pela sistema financeiro (que demostrou apenas uma faceta da sua farsa em setembro de 2008). Logo, a tendência atual, NOS PAISES RICOS, É o aumento do desemprego, precarização do trabalho (menos qualidade, menos remuneração e mais tempo de trabalho), aumento das favelas, além da intensificação dos danos ecológicos...


(já viram que apenas com discursos não dá para realizar um real análise da realidade e das necessidades e problemas do povo)


6. Dentro Da atual fase do capitalismo histórico, eminentemente financeiro e destrutivo, não é mais possível reformas sociais, não há condições objetivas, econômicas e históricas para um Estado de Bem-Estar Social, para condições de vida digna para todas as pessoas, isso porque se a taxa de lucro é menor ou descreçe, pois a tecnologia reduz massa salarial e, com isso, as vendas, é preciso explorar mais o trabalho, negar direitos, e aumentar o consumo de superfluos, bens de luxo, e a taxa de obsolência (destruição mais rápida que criação), o que explica a ofensiva voraz sobre os bens ecológicos (numa lógica de colossal desperdício), e estando a eficiência empresarial pautada pela competição capitalista, é necessário sempre e de forma constante reduzir custos com a mercadoria trabalho (por exemplo, fim do 13 salário), intensificar o ritmo de produção e destruição, pois trata-se de um imperativo de sobrevivência, mesmo para a mais exemplar empresa de responsabilidade social, uma questão de sobrevivência dentro das "atuais regras do jogo"...

7. No contexto de um país como o Brasil, temos a emergência de políticas sociais compensatórias (compensar o sofrimento e a situação degradante que resultou de séculos de exploração do trabalho, por meio de extorção da riqueza, criada pelo trabalhador, e concentrada com o "proprietário", e este trabalhador, por ser objeto apenas do sistema produtivo, uma engrenagem, e não sujeito, sofre uma degradação persistente e secular, no seu corpo, forma de viver, organização política, vida cultural, o deixando em situação de grande vulnerabilidade social)

8. Logo, consolidar leis sociais seria manter os mecanismos que amenizam o sofrimento humano, melhoram as condições de vida de parte significativa do nosso povo, porém, numa dialética estruturalmente contraditória em si, também se fortalece as chamadas "armadilhas da pobreza", uma vez que a exploração do trabalho é blindada (nada pode contestar a propriedade privada dos meios de produção) e legitimada (quem pode, alguns poucos super dotados, e outros que tiverem sorte, "sobem" na vida), os azarados, infelizes, excluídos desta suposta prosperidade, (e incluídos nas engrenages do sistema econômico despótico do capital) podem ao menos sobreviver, sem almejar ou poder pensar e lutar a sua emancipação...

e os recursos naturais no brasil?

9. podem potencialmente promover alguma melhoria material no médio prazo (muito para poucos e muito pouco para muitos), mas uma exploração excessiva da floresta causará, no longo prazo, deterioração perigosa nos ciclos ecológicos, com danos imponderáveis sobre a vida humana... é como literalmente jogar perolas aos porcos... o agronegócio de exportação está substituindo a riqueza sustentável dos multi-sistemas ecológicos, da agricultura familiar, pela riqueza "de um ciclo só" da extração de madeira, criação de gado, grandes UHE, etc, uma verdadeira reconversão colonial.

10. o uso do petroleo do pré-sal, se ficar com a UNIão (melhor cenário), poderá ajudar o desenvolvimento de tecnologias alternativas, se usado para isso, e melhorar o nivel de renda geral, ou gerar, ao mesmo tempo um consumo imediatista e opulente, junto com um processo de desindustrialiação (doença holandesa), pois baratearia as importações e inviabilizaria a industria nacional... mas no capitalismo, o avanço tecnico leva ao desemprego ou precarização, e à concentração de renda e riqueza... além do mais, a continuar uma matriz energética em combustiveis fosseis, os danos ecológicos também serão potencializados... (isso no melhor cenário, creio não ser preciso comentar as demais alternativas)

e, por fim, a economia solidária


11. a continuar com essa estrutura de cooperativas isoladas, com a mesma lógica empresarial da competitividade (agora de grupos e não individual, o que não muda em nada a situação), crescimento baseada na acumulação e no valor de troca para umas, e sobrevivência baseada na subordinação econômica nas cadeiras produtivas, para outras, será apenas unidades produtivas tão capitalista quanto as demais, tão destrutiva quanto as demais... ainda que aparentemente se tenha abolido a figura do patrão ou proprietário capitalista, mas que persiste plenamente na esfera da circulação (como muito bem demonstrou Rosa), e as chamadas "redes" não tem amplitude nenhuma para resolver isso, estão na esfera de parcerias pontuais para eventos, etc, e não no fluxo dos valores agregados.


12. se buscar o caminho de enfrentamento dificil, complicado, mas necessário ou fundamental, de uma nova estrutura organizacional-institucional , que supere o valor de troca, e a propriedade privada (de grupos pseudo-autogestionários), estrutura econômica e cadeias produtivas fragmentas e dissociadas... se superar tais elementos essenciais da lógica do capital, apontando para uma lógica de propriedade orgânica e renda sistêmica, governança federativa ou em comunas, autogestão social, integração financeira e tecnológica... então haverá uma nova perspectiva, de fato, de desenvolvimento que promova uma sociedade sustentável, no qual a tecnologia seja para produzir melhor, com mais duração, e menos tempo de trabalho (no conteúdo e na forma, ainda que com alguns elementos tayloristas, a serem superados pela automação), e o determinante "capital acumulado" é literamente substituido pelo determinante de "trabalho disponível" (ora, se uma parte dos trabalhadores é suficiente para, jornadas diárias reduzidas, produzir os bens necessários para TODOS, a outra parte se desloca, NATURALMENTE, para a "produção" de bens superiores, como artes, cultura, esportes, lazer, conhecimentos, etc, também em jornadas reduzidas)... e sem a produção de superfluos, sem a frenética taxa de obsolecência, sem a industria da destruição (guerras, violência), sem a industria do lucro (necessidades artificialmente criadas, como doenças, transportes em longas distancias pela especulação imobiliária, cursinhos, seguros, etc)... obviamente que a base de riqueza material se potencializa consideravelmente, ao mesmo tempo que a pressão sobre os recursos naturais e ecológicos poderá voltar a um ponto crucial de equilíbrio e/ou regularidade (taxa de reposição segura)... será necessário quanto mais de sofrimento humano para acordamos para tais opções?

Abraços libertários




Prof. Édi Augusto Benini
Universidade Federal do Tocantins

3 comentários:

  1. Caro Professor,

    no ponto 11 você diz: "ainda que aparentemente se tenha abolido a figura do patrão ou proprietário capitalista, mas que persiste plenamente na esfera da circulação (como muito bem demonstrou Rosa)".

    Qual leitura você recomenda para esta questão da esfera da circulação e a discussão de Rosa sobre a mesma?

    Obrigado!

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  2. Acho que temos duas leituras fundamentais, uma da própria Rosa, no livro: Reforma ou Revolução, e o livro III (sobre a circulação), de Karl Marx.

    Claro que num estudo mais avançando, podemos incluir outros pensadores que, de uma forma talvez menos direta, também discutem essa questão elementar, como Fernando Mota, Trangtenberg, João Bernandro e Mészáros.

    Abraços

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