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Página específica para a 3ª edição do curso de especialização em Gestão Pública e Sociedade:

terça-feira, 6 de julho de 2010

O INDIVÍDUO versus SER SOCIAL : FALSA QUESTÃO?

FRAGMENTOS

SOMOS TODOS EM ESPÍRITO DIFERENTES, DESIGUAIS ?

{ Do romance Mulheres Apaixonadas}

" Se ao menos - disse , por fim Hermione- pudéssemos ser iguais em espírito, se nisso, formássemos uma irmandade, o resto não teria importância; nunca mais se ouviria falar de críticas, invejas, lutas pelo poder, que são coisas destrutivas e nada mais.

Este comentário foi recebido em silêncio e quase a seguir todos se levantaram da mesa. Mas, quando os outros já tinham desaparecido, Birkin voltou-se para os que haviam ficado e declarou com amargura:

- É precisamente o oposto, precisamente o contrário, Hermione. Somos todos , em espírito, diferentes , e desiguais. Mas nas coisas da vida material é que, teórica e matematicamente, pode haver igualdade; como, na prática não há, resultam daí as chamadas diferenças sociais. Qualquer pessoa sente fome e sede, tem dois olhos, um nariz ,duas pernas. Numericamente somos todos os mesmos ; porém, na ordem espiritual, existem diferenças ; nem a igualdade nem a desigualdade são termos que sirvam. É sobre este mínimo de conhecimentos que devem ser baseadas as instituições. A sua democracia é uma refinada mentira , a sua fraternidade humana pura falsidade, se a fizer sair dos domínios da abstração . Todos começamos por beber leite, depois comemos pão e carne , todos queremos andar de automóvel ; eis o começo e o fim da fraternidade entre os homens. A igualdade não existe.

"Mas eu, que sou eu e mais ninguém - continuou Birkin - que tenho a ver com a igualdade, com outro homem, com outra mulher ?

Em espírito ,estou tão longe como uma estrela está de outra estrela, muito diferente em qualidade e em quantidade. Veja se é capaz de organizar um Estado com isto. Nenhum homem é melhor do que outro, não porque sejam iguais ,mas porque são intrinsecamente diversos e não pode haver, entre eles, termo de comparação. Logo que se começa a fazer comparações, vê-se quanto um indivíduo difere de outro; toda desigualdade que se possa imaginar, ei - la demonstrada por natureza. Desejo que cada um tenha o seu quinhão nos bens deste mundo, de maneira que eu possa desembaraçar - me de mais um importuno .E então dir-lhe-ia : agora você tem o que pretendia, possui uma fatia dos benefícios terrenos; vá, louco, saboreia - a , não existe senão uma boca, sacie- se e não me aborreça. (p. 103)

Mulheres apaixonadas ( Women In Love - Copyright, 1921) David Herbert Lawrence. S. Paulo, Abril Cultural 1975.

David H. Lawrence, nasceu em Eastwood, Inglaterra ,em 1885, quarto filho de uma família de mineiros. Aos treze anos ganhou uma bolsa de estudos na Nottingham High School.

Sobre o mundo do trabalho, o processo de extração de minério.

- É como um país subterrâneo - comentou Grudun. - Os mineiros trazem-nos aos poucos cá para cima e espalham - no em derredor .Mas isso é maravilhoso ,Úrsula: é um mundo ao contrário. Os homens são vampiros e as coisas são todas fantasmagóricas. Não há nada que não seja uma réplica espectral do mundo real, uma réplica alterada e ignóbil. É como se todos estivéssemos loucos.

Caminhavam agora por uma vereda escura ,através da terra negra e escura. Á esquerda estendia- se a paisagem ampla ,o vale com as minas de carvão e, nas colinas em frente , campos de trigo e bosques, negros a distância , como se tudo fosse avistado através de um véu negro. A fumaça , branca ou acinzentada , elevava - se em colunas densas, como que irreal naquela atmosfera tenebrosa. (D. H. Lawrence. p.13)

Sobre o mundo do trabalho, a mecanização do processo produtivo e a modernização da gerência.

Gerald começou a reforma pelo escritório da firma .Precisava fazer economias severas para que tivessem eficácia as alterações introduzidas .

- Que é isso de carvão para as viúvas? -- perguntou.

--Temos sempre concedido às viúvas dos homens que trabalharam na empresa certa quantidade de carvão , de três em três meses.

--Pois vamos suspender o fornecimento .Isto aqui não é instituição de caridade, como muita gente imagina..

(...) A tudo estendeu Gerald, gradualmente ,a sua fiscalização ,até a reforma propriamente dita. Em cada serviço entraram os engenheiros peritos. Procedeu-se a uma poderosa instalação elétrica ,tanto para obter luz ,como para tração subterrânea e força motriz geral. Cada mina recebeu, pois eletricidade.

Compraram-se maquinismos novos na América , maquinaria que os operários jamais tinham visto. Gigantes de ferro , assim chamavam eles aos engenhos de perfuração e outros mais, até ali desconhecidos. O trabalho nos poços mudou por completo; a vigilância deixou de ser exercida pelos mineiros e o sistema de contramestres foi abolido. Tudo funcionava pelo mais rigoroso e aperfeiçoado método científico ; por todos cantos havia pessoas vigilantes , fiscalizando, e os mineiros restringiam-se ao papel de meras ferramentas da profissão. Tinham de trabalhar de verdade, muito mais do que antes, numa tarefa desmoralizadora, pelo aspecto que apresentava, de maquinal.

A tudo porém ,se submeteram. A alegria abandonou-os, a esperança esmoreceu à medida que se tornavam simples autômatos.

E, contudo, aceitaram as novas condições, chegaram mesmo a descobrir-lhes sabor. No começo detestaram Gerald Crich, prometeram contrariá-lo, assassiná-lo, até. Mas, com o decorrer do tempo, aceitaram tudo com uma resignação um tanto fatalista. Gerald era o sacerdote máximo, representava a religião que eles na realidade professavam. O pai foi depressa esquecido. Havia agora um mundo diferente, uma ordem nova, terrível, desumana, mas que satisfazia pelo seu próprio espírito revolucionário. Aos operários não desagradava pertencerem a essa máquina imensa e maravilhosa ainda que ela os destruísse. Era isso que desejavam; parecia-lhes o mais elevado que o homem até então concebera, o mais extraordinário e sobre-humano. Exaltava-os a idéia de fazerem parte desse sistema superior e fenomenal, que ultrapassava o sentimento e a razão, qualquer coisa, na verdade, divina. Os corações sucumbiam mas as almas orgulhavam-se. De outra maneira Gerald não teria conseguido o seu fim. Ia de encontro à vontade do grupo, proporcionando o que a turba operária desejava, essa participação no vasto sistema admirável que sujeitava a vida aos puros princípios matemáticos. ( Lawrence páginas, 222/224)

O DIREITO À PREGUIÇA - A religião do capital. Paul Lafargue.Kairós. S. Paulo 1983.

" A primeira edição deste livro foi publicada em brochura em 1883,quando o autor estava preso em Saint-Pélagie. P. Lafargue nasceu em Santiago de Cuba ,em 1842; era mestiço: seus pais eram franceses emigrados, a avó paterna, filha de negros. Com dez anos de idade, mudou-se com a família para Bordéus, na França. Mais tarde, Lafargue fixa-se em Paris, onde cursa a faculdade de medicina. Morreu em 1911 juntamente com Laura, sua esposa, Lenin fez um discurso no funeral. "(pp.13,9)

UM DOGMA DESASTROSO

'Preguiçosos em tudo, menos no amor e no beber, menos na preguiça' (Lessing p.25)

Uma estranha loucura apossa-se das classes operárias das nações onde impera a civilização capitalista .Esta loucura tem como consequência as misérias individuais e sociais que ,há dois séculos, torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor pelo trabalho, a paixão moribunda pelo trabalho, levada até o esgotamento das forças vitais do indivíduo e sua prole .Em vez de reagir contra esta aberração mental os padres, economistas ,moralistas sacrossantificaram o trabalho. Pessoas cegas e limitadas quiseram ser mais sábias que seu próprio Deus ; pessoas fracas e desprezíveis quiseram reabilitar aquilo que seu próprio Deus havia amaldiçoado.(...) Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda degeneração intelectual , de toda deformação orgânica. Comparem o puro - sangue dos estábulos de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com o pangaré das fazendas normandas, que trabalha a terra, transporta estrume ,carrega a colheita. Reparem no nobre selvagem, "que os missionários do comércio e os comerciantes da religião ainda não corromperam com o cristianismo, a sífilis e o dogma do trabalho, e comparem-no com nossos miseráveis escravos das máquinas" (pp.25, 26)

Diz o operário e escritor H. Braverman:

"Tendo sido obrigados a vender sua força de trabalho a outro (a fonte da alienação) ,os trabalhadores também entregam seu interesse (seu motivo, sua razão)no trabalho, que foi agora alienado. O processo de trabalho tornou-se responsabilidade do capitalista .Neste estabelecimento de relações de produção antagônicas ,o problema de obter plena utilidade da força de trabalho que ele comprou torna-se exacerbado pelos interesses opostos daqueles para cujos propósitos o processo de trabalho é executado e daqueles que por outro lado, o executam."( Braverman, H. Trabalho e Capital Monopolista: Adegradação do Trabalho no Século XX, Rio de Janeiro.Zahar.1981,p.59)

ADEUS A IMPONDERABILIDADE HUMANA ?

EXISTE A FIGURA DO ATOR NA HISTÓRIA? SOMOS ATORES OU ESTAMOS SUBMETIDOS À LEIS ECONÔMICAS FÉRREAS ?

Segundo o investigador brasileiro Pedro Demo:

"Muito embora a interferência humana traga para o interior do fenômeno social a possibilidade do imponderável. Mesmo assim, as condições objetivas (materiais) delineiam regularidades implacáveis, existe a figura do ator na história que é o homem(protagonista),este não está submetido à leis férreas inexoráveis. Mas não podemos ignorar os múltiplos fatores presentes na construção histórica, esta não é simples resultado de intencionalidades subjetivas". ( Demo, Pedro-Introdução `a Metodologia da Ciência . .São Paulo: Atlas, 1990.

TEMAS BÁSICOS DA SOCIOLOGIA Max Horkheimer e Theodor W.Adorno .Cultrix,USP. S. Paulo, 1973.

"Sob a influência do liberalismo, da teoria da livre concorrência, surgiu o costume de considerar as mônades como algo absoluto ,um ser em si. Por isso nunca será demais realçar o valor da obra realizada pela sociologia e, antes desta, pela filosofia especulativa da sociedade, quando abalaram essa crença e mostraram que o próprio indivíduo está socialmente mediado. (...)A vida humana é, essencialmente e não por mera casualidade, convivência. Com esta afirmação, põe-se em dúvida o conceito do indivíduo como unidade social fundamental. Se o homem , na própria base de sua existência, é para os outros ,que são os seus semelhantes ,e se unicamente por eles é o que é ,então a sua definição última não é a de uma indivisibilidade e unicidade primárias mas, outorgam, a de uma PARTICIPAÇÃO e comunicação necessárias com outros. Mesmo antes de ser indivíduo o homem é um dos semelhantes, relaciona-se com os outros antes de se referir explicitamente ao eu, é um momento das relações em que vive, antes de poder chegar ,finalmente, à autodeterminação."(p.46)

Mônades- (Biologia) Organismo muito simples, que se poderia tomar por unidade orgânica.{Filosofia}SegundoLeibnitz, substância simples, i. e. sem partes, que, agregada a outras substâncias, constitui as coisas de que a natureza se compõe.

OS SERTÕES - Euclides da Cunha, 1902

Euclides da Cunha em " Os sertões", obra cuja primeira edição foi publicada em 1902, muito antes de Elton Mayo, (1928- 1930) ter desenvolvido suas pesquisas na empresa Western Electric, em Hawthorne (bairro de Chicago, USA), evidencia a difícil indivisibilidade entre o indivíduo e o social. Referindo-se ao "espírito torturado de reveses" de Antônio Conselheiro diz:

"É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências pessoais e as tendências coletivas; a vida resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade..."

Sobre a monotonia do trabalho taylorizado.

A divisão da classe operária, portanto, está na base desse método. (método taylorista de determinar "one best way" e prescrever as tarefas nos mínimos detalhes definindo os gestos físicos humanos eficientes para a produção) O desenvolvimento da concorrência entre os operários é uma parte integrante dele, assim como o apelo aos mais baixos sentimentos. O salário é a sua única motivação. Quando o salário não basta, vem a brutal despedida. A cada momento do trabalho, o salário é determinado por uma gratificação. A todo momento, é preciso que o operário calcule para saber quanto ganhou. O que digo é tão mais verdadeiro quanto menos qualificado ( menos criativo, conceptual) é o trabalho de que se trata.

Este sistema produziu a monotonia do trabalho. Dulbreilh e Ford dizem que o trabalho monótono não é penoso para a classe operária. É verdade que Ford diz até que ele não poderia passar um dia inteiro num único trabalho na fábrica, mas que é preciso acreditar que seus operários são diferentes dele, porque recusam um trabalho mais variado. Se realmente acontece que com esse sistema a monotonia seja suportável para os operários, é talvez o pior que se possa dizer de um tal sistema; pois o que é certo é que a monotonia do trabalho começa sempre por ser um sofrimento. Se se chega ao hábito, é à custa de uma diminuição moral.

Na verdade, ninguém se acostuma, a menos que se possa trabalhar pensando em outra coisa. Mas, então, é preciso trabalhar num ritmo que não exija muita assiduidade da atenção de que a cadência do trabalho precisa. Mas se estamos fazendo um trabalho no qual temos de pensar o tempo todo, não se pode pensar em outra coisa, é errado dizer que o operário pode acomodar-se à monotonia desse trabalho. Os operários da Ford não tinham o direito de fala. Não procuravam um trabalho variado, porque, depois de um certo tempo de trabalho monótono, ficavam incapazes de fazer outra coisa. ( Weil, S. A racionalização- 1937, p. 124) (grifos nossos)

A solução ideal seria uma organização do trabalho tal que cada fim de tarde saíssem ao mesmo tempo o maior número de produtos bem feitos e de trabalhadores felizes. ( Weil, S. p. 114)

Antonio Gramsci em "Americanismo e Fordismo" (Obras Escolhidas - São Paulo: Martins Fontes, 1978) faz referência a existência de uma determinada dialética interna no método industrial taylorista - fordista. Quando o operário alcança a "adaptação psicofísica" (expressão gramsciana) ao ritmo de trabalho o espírito humano pode ficar à deriva, livre para pensar de uma forma pouco conformista. Portanto, esta será a razão que estimulará os empresários na constante busca de um "consenso", o papel dos gestores da burocracia fabril será o de motivar os operários alienados; Ford e Taylor procuraram estimular (disciplinar) a classe proletária com o incentivo monetário (five dollars day)

Estes recortes de textos são fragmentos extraídos de vários autores que escreveram em diferentes momentos históricos e em diferentes lugares. Para melhor entender as razões que levam trabalhadores- submetidos à "tarefas desmoralizadoras", sem alegria, sem esperança -, à "resignação" e, ao mesmo tempo, à exaltação do trabalho embrutecido, é importante estudar C. Dejours (1987) Na sua obra "A Loucura do Trabalho" este pesquisador estuda as "ideologias defensivas" criadas pelos trabalhadores, individualmente ou coletivamente, que têm como objetivo reduzir o sofrimento causado pelo trabalho, "exaltar, orgulhar-se" da tarefa que destrói, é uma forma de auto-defesa, defesa do que ainda pode restar de humano, defesa da vida psíquica. São as ideologias defensivas que evitam a "loucura do trabalho". Mas afirma C. Dejours (1987): "porém a normalidade é precária".

O pesquisador Robert Linhart na sua obra " A greve na fábrica" (L´Etabli) descreve como os operários da indústria automobilística francesa lutam, resistem contra "a sonolência provocada pelas tarefas repetitivas que anestesiam o corpo e a alma". O hábito emerge como um refúgio humano, isto é, como uma defesa; acelerar o ritmo dos gestos físicos e vencer a velocidade da esteira transportadora (linha de montagem fordista) pode significar um minuto livre para fumar um cigarro, uma vitória que afirma o ser. A classe trabalhadora resiste, busca constantemente livrar o tempo-vida do tempo- morto, do entorpecimento provocado pela cadência da esteira mecânica ( transportadora de peças e componentes ); da música das engrenagens e dos gestos repetitivos, maquinais, brotam o torpor, a tristeza e a luta de resistência. ( Linhart, R. Greve na Fábrica ( L´Etlabi) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978)

Felipe Luiz Gomes e Silva.- UNESP, FCL- São Carlos - Araraquara,1998.

Este texto "fragmentado" pode ser utilizado desde que mencionada a fonte.


A Fábrica como Agência Educativa - Silva, Felipe Luiz Gomes e - Editora Acadêmica -Laboratório Editorial da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, campus de Araraquaquara. São Paulo, 2004.

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