Elcio Gustavo Benini
Juliana Ipolito
Com o presente trabalho pretendemos articular a questão da educação no contexto das relações sociais de produção. Argumentamos que em ultima análise, tais relações de produção, explicitadas no chamado “mundo do trabalho”, são determinantes da forma e conteúdo da educação formal. Porém, há que se reconhecer que, apesar deste aparente determinismo, as atuais relações de trabalho, de tipo burocrático assalariado, são despóticas e alienantes, dessa forma, também geram reações e “desvios” que, se por um lado, tais “desvios” são constantemente anulados, por meio de um conjunto de instituições que sustentam a ordem social vigente, por outro, esses mesmos desvios e reações se qualificam como lutas de cunho emancipatório, acumulando historicamente novas experiências e conhecimentos. Para avançar na discussão sobre a relação educação e trabalho, na perspectiva da emancipação, elegemos a proposta da economia solidária como objeto de reflexão, uma vez que ela, na sua proposta discursiva, elege como eixo central de organização do trabalho a autogestão. Se entendermos a autogestão como um tipo de relação social de produção oposta, ontologicamente, ao tipo de trabalho assalariado e burocrático, por definição, haveria também a possibilidade de uma prática educativa emancipatória. Dessa forma, é necessário ponderar que novas subjetividades precisam, necessariamente, instituir estruturas que as sustentem, como condição para evitar seu retrocesso ou diluição permanentes. Dessa forma, problematizamos a possibilidade de uma educação libertária no contexto específico da proposta de economia solidária, na condição de que esta seja, de fato, uma proposta de novas relações sociais de produção autogestionárias e pós-capital. Ao se analisar criteriosamente os elementos constitutivos da economia solidária, do ponto de vista de que tipo de relações de trabalho ela promove, fica evidente que a idéia de autogestão é reduzida a gestão participativa ou grupos de auto-ajuda, que priorizam um tipo de viabilidade econômica subordinado as estruturas do sistema hegemônico. Concluímos que, ao contrário de se buscar ou constituir novas relações sociais de produção, a realidade concreta, das práticas da economia solidária, situa-se como adaptação às estruturas do sistema hegemônico, gerando um processo educativo também conservador.
1. Introdução.
No campo da educação a ideologia da liberdade é muito disseminada. Não é raro ouvir discursos de que a educação é um meio de ascensão social, ou ainda, um fator produtivo – capital intelectual (Frigotto, 1984). Da mesma forma, o contrário também é colocado, ou seja, de que a falta de educação é a causa de grande parte das desigualdades socais. Não é difícil perceber que se trata de um discurso de mérito, que responsabiliza o indivíduo, sendo o sistema capitalista lócus de neutralidade.
O igualitarismo da ideologia capitalista é uma de suas forças, e não pode ser ignorado levianamente. Ensina-se aos jovens, desde a primeira infância, e por todos os meios concebíveis, que todos têm uma oportunidade igual, e que as desigualdades tão evidentes são resultado não de instituições injustas, mas de dotes pessoais superiores ou inferiores (BARAN & SWEEZY, 1966, p. 173-174).
Como contraponto a esta visão – de certa forma hegemônica –, é que elegemos o conceito de emancipação social, no sentido de superar a ideologia de igualdade formal para a de igualdade material ou substantiva, no qual o gênero humano, enquanto um todo, pode superar o reino das necessidades e das múltiplas formas de opressão ou exploração, para um estado de liberdade efetiva, inclusive com a liberdade de determinar, coletivamente, os meios, formas e conteúdos da riqueza social produzida com a melhor combinação possível em termos de utilidade e bem estar social. Logo, partimos do pressuposto que as atuais relações sociais são estruturadas por determinantes opressoras e despóticas, que alienam e impedem a realização das pessoas como sujeitos da sua história.
Para discutir as condições, ou ao menos possibilidades abertas, para se reverter o estabelecido, tendo como referência o ideal de “emancipação social”, há que se compreender adequadamente a essência das relações sociais, principalmente no lócus do trabalho e da produção, uma vez que o espírito – conjunto de visões de mundo que dão a referência ontológica do “agir” e do “intervir” ou mesmo do “incluir”, de cada indivíduo, na realidade concreta que lhe é confrontada – é determinado pelas condições materiais de sua existência, logo, pelas relações sociais produtivas que estabelece. Conforme evidencia Marx:
A produção de idéias, de representações, de consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias e assim por diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde, até chegar às suas formações mais desenvolvidas. A consciência não pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente, o ser dos homens é o seu processo de vida real. Se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa câmara escura, este fenômeno resulta do seu processo histórico de vida, da mesma forma como a inversão dos objetos na retina resulta de seu processo de vida imediatamente físico (MARX, 2007, p. 93-94).
Considerando essa determinante, é que nossa abordagem, a respeito da relação educação, trabalho e emancipação, será discutida no contexto da proposta de economia solidária, esta enquanto proposta de um tipo específico de relações sociais de produção, tendo como referência o mesmo caminho metodológico de análise apontado por Mészáros, a saber:
Conseqüentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. (...) Podem-se ajustar pelas quais uma multiplicidade de interesses particulares conflitantes se deve conformar com a regra geral preestabelecida da reprodução da sociedade, mas de forma nenhuma pode-se alterar a própria regra geral (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).
Nessa perspectiva, a discussão que queremos promover diz respeito a confrontar, por um lado, as múltiplas determinações que o modo de produção hegemônico costura, com suas próprias contradições, no sentido tanto de ampliação da alienação, como também nas fendas criadas nesta mesma lógica. Partimos do pressuposto de que, se há todo um contexto material – produtivo e econômico –, que constrói seus artifícios de sustentação, essa mesma base material também é constituída por elementos de uma formação social, cuja fluidez e dinâmica nem sempre apontam para o centro lógico da atual formação social capitalista, uma vez que a mesma é marcada pela contradição e instabilidade, e não por equações matemáticas imutáveis ou planos conspiratórios ou fatalistas.
A tensão que se observa entre educação e trabalho é um ponto central desta instabilidade. Enquanto que no mundo do trabalho assalariado são exigidas qualificações pontuais, necessárias apenas na medida em que possam, simultaneamente, viabilizar uma tarefa específica e convencer o empregador a comprar tal força de trabalho, no espaço da educação formal há tempos e espaços que permitem uma nova interpretação do estado das coisas, e a introdução de outros interesses – mesmo que estes estejam a margem das exigências burocráticas para se ter acesso ao “diploma” – não necessariamente vinculados à sobrevivência imediata no mercado de trabalho capitalista, há espaço para a reação crítica e para a criatividade. Dessa forma, temos ai um atrito entre necessidades humanas e necessidades da reprodução do capital.
Na dinâmica desse atrito, importante evidenciar que tanto no espaço das organizações burocráticas, como no espaço da educação formal, há determinantes e um conjunto de elementos que criam e reproduzem as ideologias dominantes, como também há reações a esse status quo, umas pontuais ou mesmo desesperadas, outras que avançam em consciência, crítica e em projetos estruturantes de maior alcance, formando e constituindo todo um patrimônio de lutas, experiências e conhecimento teórico na perspectiva da emancipação social, conforme demonstrou Silva (2004) nos seus estudos organizacionais da “fábrica como agência educativa”.
Dessa forma, podemos observar que, na universidade contemporânea, se há um conjunto de cursos, cujos seus conteúdos e currículos buscam se adaptar aos tipos de empregos ou profissões de um determinando contexto do mercado de trabalho, isso não impede que outras áreas de conhecimento tenham seu espaço, ou mesmo confronte tal monopólio por meio da crítica, socialização dos conhecimentos e experiências acumulados, curiosidade ou mesmo criatividade das pessoas.
Entretanto, um ponto importante a considerar é que tais “desvios” ao sistema dominante encontram pouco espaço de sustentação. Quantas vezes estudantes brilhantes, contrários a ordem, cedo ou tarde cedem à necessidade de algum ganho material para sobreviver? O capital é uma relação social, mas uma relação social despótica, pois impõe suas regras de funcionamento como condição para suprir as condições de vida necessárias aos seres humanos. O fetiche da mercadoria, do luxo, de boas condições de vida, são elementos potenciadores destes artifícios, especialmente quando a “opção” oposta apresentada é uma vida de restrições. A funcionalidade da educação na atual formação social significa que:
Não podemos desdenhar o impacto econômico imediato do sistema escolar ampliado. Não apenas o dilatamento do limite de escolaridade limita o aumento de desemprego reconhecido, como também fornece emprego para uma considerável massa de professores, administradores, trabalhadores em construção e serviços etc. Ademais, a educação tornou-se uma área imensamente lucrativa de acumulação do capital para a indústria de construção, para uma multidão de empresas subsidiárias. Por todas essas razões, (...) o fechamento de um único segmento de escolas por um período de semanas é bastante para criar uma crise social na cidade em que isto acontece. As escolas, como babás de crianças e jovens, são indispensáveis para o funcionamento da família, da estabilidade da comunidade e ordem social em geral (embora elas preencham mal essas funções) Numa palavra, já não há lugar para o jovem na sociedade a não ser na escola (BRAVERMAN, 1987, p. 372).
Logo, no contexto da educação, especialmente esta enquanto busca crítica de saber e do questionamento permanente do mundo das aparências, fica a indagação: se ela estará condenada a ficar “subordinada” ou a reboque das estruturas econômicas dominantes? Ou talvez a pergunta seja outra: Quais os espaços necessários para sustentar - de forma que aglutine suficientes membros por um tempo também suficiente - uma dinâmica educativa que aponte elementos de ruptura com o capital?
Uma perspectiva de viabilizar tal espaço de sustentação é a proposta da economia solidária. Porém, é necessário questionar até que ponto ela reproduz os artifícios essenciais do trabalho assalariado, e até que ponto esta proposta pode promover eixos e dinâmicas que se desviem do centro, da lógica de reprodução sócio-metabólica do capital, e podem com isso constituir novas estruturas de apoio a emancipação social.
2. Trabalho associado e economia solidária.
Sabemos que já existe uma considerável produção acadêmica e reflexões sobre a proposta de economia solidária. Porém, é importante registrar que não há consenso sobre o assunto, uma vez que temos desde uma perspectiva pós-capital até práticas de inclusão nos fluxos de renda mercantis, por meio do chamado empreendedorismo, que abrange pequenos ou médios negócios de grupos setorizados. Inclusive podemos observar que uma quantidade expressiva de estudos, ao não se aprofundar na questão das relações de produção, também não levam em conta tal disputa. Dessa forma, tem-se uma visão idealizada da economia solidária, como uma forma de produção mais humanizada ou que superaria a competição e a busca incessante pelo lucro, visão muito próxima a de um apelo meramente emocional.
Ao contrário, argumentamos que se a idéia de “economia solidária” diz respeito a um tipo de trabalho associado, é fundamental para a sua práxis – movimento dialético entre as interpretações teóricas com as formações concretas, estas consubstanciadas em determinados contextos – a qualidade das relações de produção constituídas ou recriadas.
Nessa perspectiva de análise, interpretamos a atual proposta de economia solidária como a retomada do movimento cooperativista sob o contexto do desemprego e crise econômica estruturais.
A novidade em relação ao movimento cooperativista seria a inclusão de novos elementos promotores de cooperativas e associações, como a criação de moedas sociais, redes de ajuda-mútua, incubadoras, feiras, conferências, normatizações, até a constituição de um conjunto de políticas públicas de apoio e/ou fomento a tais práticas. Porém, ao se analisar mais de perto a forma organizacional dessas práticas, a figura central continua sendo a organização de cooperativas.
Por sua vez, as cooperativas, como um tipo de trabalho associado, pouco inova nas suas relações de produção. Em que pese algumas mudanças nos chamados “princípios cooperativistas”, sua estrutura é a mesma dos seus precursores, ou seja, baseada na associação de grupos de indivíduos, que partilham entre si contas de propriedade, para com isso viabilizar um determinado negócio e auferir uma renda satisfatória, sem a dependência da figura do empresário ou do Estado. Logo, uma cooperativa pouco difere de uma empresa capitalista tradicional, ao menos nos seus elementos estruturantes, a saber: propriedade privada dos meios de produção (ainda que seja disfarçada no sistema de cotas e partilhada por grupos de associados), valor de troca (necessidade de vender ao mercado, e subordinar-se a este de forma fragmentada e competitiva, mesmo entre cooperativas), e acumulação (busca pela valorização e aumento do patrimônio em si).
Com isso, advogamos que apenas de forma pontual é possível considerar tais práticas, seja das cooperativas ou da própria economia solidária, como autogestionárias. O fato da não existência, nessas unidades de produção, da figura do “patrão” (proprietário dos meios de produção), permite um grau de liberdade e autonomia ao trabalho ainda muito limitado, uma vez que essas unidades são elementos de um sistema maior, ou seja, o modo de produção capitalista não se reduz as empresas capitalistas, mas a todo um conjunto sistêmico de empresas (que inclui as cooperativas), instituições (o que inclui o aparelho do estado) e fluxos de riqueza (valor de troca, acumulação).
3. Autogestão como educação libertária
Após as revoluções industriais, e com a consolidação do modo de produção capitalista, temos também a dominação nas sociedades modernas e contemporâneas de um pensamento produtivista, que prega como benéfico em si, o aumento cada vez mais acelerado na produção de produtos, mercadorias e serviços, não importando suas diferentes conseqüências e implicações na vida das pessoas e nos sistemas ecológicos de suporte a vida.
Com isso, uma das principais bandeiras das organizações é a busca por eficiência (fazer mais por menos), porém uma eficiência em geral apenas do ponto de vista da lógica da acumulação (ganhos crescentes de riqueza em relação ao custo com fatores de produção, inclusive com o trabalho), e não eficiência do ponto de vista da lógica do trabalho (maior utilidade e renda com menor gasto de energia e tempo).
Na perspectiva da eficiência para a acumulação, um dos pontos chaves de aumento da produtividade nas organizações é a divisão do trabalho, um processo que se inicia pela divisão entre concepção e execução, e se consolida com a fragmentação macro social, como descreve Braverman:
A divisão do trabalho na sociedade é características de todas as sociedades conhecidas; a divisão do trabalho na oficina é produto peculiar da sociedade capitalista. A divisão social do trabalho divide a sociedade ente ocupações, cada qual apropriada a certo ramo na produção; a divisão pormenorizada do trabalho destrói ocupações consideradas neste sentido, e torna o trabalhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. No capitalismo, a divisão social do trabalho é forçada caótica e anarquicamente pelo mercado, enquanto a divisão do trabalho na oficina é imposta pelo planejamento e controle. (...). Enquanto a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem, e enquanto a subdivisão da sociedade pode fortalecer o individuo e a espécie, a subdivisão do indivíduo, quando efetuada com menosprezo das capacidades e necessidades humanas, é um crime contra a pessoa e contra a humanidade (BRAVERMAN, 1987, p. 72).
Observa-se que tal lógica de fragmentação é tanto fator interno na produção imediata de mercadorias, como fator externo no conjunto de relações sociais que sustentam tal lógica, cada qual se alimentando mutuamente (ainda que as relações de produção sejam as precursoras ou fundadoras). É importante ressaltar que essa dinâmica de divisão e fragmentação é promovida na lógica de ampliar a exploração do trabalho e a acumulação para alguns poucos, e não em melhorias efetivas na vida das pessoas, que incluiria, obviamente, formas de trabalho mais articuladas e enriquecidas, e tipo de produtos centrados na sua utilidade. Conforme argumenta Mészáros:
[...] um grau muito alto de especialização é perfeitamente compatível com uma imagem adequada do todo, desde que o praticante das habilidades em questão não seja violentamente separado do poder de tomada de decisão, sem o qual é inconcebível a participação significativa dos indivíduos sociais na constituição da totalidade. O que transforma o trabalho vivo em “trabalho abstrato”, sob o capitalismo, não é a especialização em si, mas a rigidez e o desumanizante confinamento das funções dos especialistas em tarefas de execução inquestionável. Isto decorre justamente do fato de o trabalho em si ser radicalmente excluído da propriedade, com base na qual – e conforme cujos imperativos estruturais objetivos – se tomam as decisões fundamentais e se combinam em um todo as funções parciais múltiplas do corpo social (MÉSZÁROS, 2002, p. 861-862).
Com isso, podemos argumentar que uma chave fundamental de superação da divisão do trabalho e, conseqüentemente, da alienação, só pode ser feita pelo seu oposto ontológico, ou seja, autogestão social do conjunto do sistema sócio-metabólico produtivo. Ou seja, uma educação não funcional só pode existir por meio da autogestão, que é a verdadeira educação continuada em termos de enriquecimento teórico e cognitivo (intervenção consciente/crítica no mundo), assim descrito por Mészáros:
Uma concepção oposta e efetivamente articulada numa educação para além do capital não pode ser confinada a um limitado número de anos na vida dos indivíduos mas, devido a suas funções radicalmente mudadas, abarca-os a todos. A “auto-educação de iguais” e a “autogestão” da ordem social reprodutiva” não podem ser separadas uma da outra. A autogestão – pelos produtores livremente associados – das funções vitais do processo metabólico social é um empreendimento progressivo – e inevitavelmente
4. Considerações finais: há espaço de autogestão concreta nas atuais formas de economia solidária?
Considerando que as condições para a superação de um tipo de educação, alienante e funcional a lógica dominante, reside não necessariamente (ou exclusivamente) no espaço da educação formal (mesmo nas universidades públicas e cursos mais progressistas e crítico), mas, sobretudo, necessitam se sustentar e se reproduzir no espaço das relações sociais de produção. Logo, apontamos como uma chave importante a autogestão, esta como a antítese ontológica a organização burocrática daquelas relações.
Entretanto, há que se levar em conta tanto o conceito e a essência da autogestão como um tipo de relações de produção, como também os mecanismos, sistemas e instituições necessárias para a sua dinâmica concreta.
A educação formal progressista, ou seja, aquela que busca socializar e criar conhecimentos no contexto da emancipação social, também tem um papel fundamental, qual seja, o de aglutinar, conectar, manter viva a memória das diferentes reações, lutas e experimentos, que historicamente os trabalhadores e intelectuais orgânicas acumularam.
Dessa forma, à primeira vista a proposta de economia solidária, ao eleger como referência central da sua práxis a autogestão, também se qualifica como um espaço possível de outras relações sociais que podem promover uma dinâmica educativa para além do capital, ou seja, uma primeira brecha importante de superação da alienação.
Entretanto, já observamos em alguns trabalhos realizados (Benini, 2003 e 2004. Benini, 2008), que a proposta de economia solidária, enquanto movimento social, que inclusive já conquistou uma agenda de políticas públicas, em geral reduz o conteúdo da autogestão para uma noção superficial de gestão compartilhada ou participativa entre grupos particulares. Tal redução vem a impactar nas discussões, debates e formação dos trabalhadores, agora chamados de empreendedores. Neste enfoque, busca-se quase que exclusivamente a viabilidade econômica e financeira, conforme a lógica do mercado capitalista, e com isso há pouco espaço (ou até mesmo a sua negação), para uma reflexão mais ampla e profunda a respeito dos mecanismos de alienação e opressão, presente no trabalho e no sistema sócio-metabólico do capital, e do resgate/socialização permanentes de todo o patrimônio de teorias e conhecimentos já acumulados, advindos ou provocados justamente no contexto das lutas emancipatórias.
Como resultado, as práticas de chamada “econômica solidária”, até o presente momento, estão sendo promovidas, discutidas, construídas e reconstruídas, mais como adaptação às estruturas do sistema hegemônico, do que como novo capitulo histórico de enfrentamento e tentativa de superação do status quo, gerando um processo educativo também conservador. Isso porque a construção educativa de novas subjetividades, que sejam alternativas a ideologia dominante, precisam ter a capacidade de instituir estruturas que as sustentem, pois sem estas, seus fluxos tendem a ser transitórios e, com isso, a se diluírem.
5. Referencial Bibliográfico.
BARAN, P. & SWEEZY, P. Capitalismo monopolista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966.
BENINI, E. A. Economia Solidária, Estado e Sociedade Civil: um novo tipo de política pública ou uma agenda de política públicas? In: DAL RI, N. M. & Vieitez, C. G (Orgs.) Revista Organização e Democracia. Marília: Unesp, 2003.
BENINI, E. A. Políticas Públicas e Relações de Trabalho – estudo sobre o processo e natureza da denominada “Economia Solidária”, enquanto política pública, a partir da investigação de alguns casos concretos. Dissertação (Mestrado). Escola de Administração de Empresas de São Paulo: EAESP-FGV. São Paulo: 2004.
BENINI, E. G. Economia Solidária em questão – estudo sobre as possibilidades e limites de inserção e emancipação social no capitalismo, a partir de um estudo multicasos. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Campo Grande: 2008.
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
MÉSZÁROS, I. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.
MÉSZÁROS, I. A teoria da Alienação
SILVA, F. L. G. A fábrica como agência educativa. Araraquara: Laboratório Editorial/FCL/UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2004.
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